Voltar à Ucrânia
Durante a Feira do Livro do ano passado (Setembro de 2023), em Lisboa, foi visto, pela primeira vez, o meu livro “Ucrânia: Uma guerra de embustes”, no qual, em crónicas quase diárias, entre Fevereiro e Setembro de 2022, fui expondo as razões estratégicas que levaram ao conflito, procurando explicar que muita da informação passada pelos órgãos de comunicação social, quer portuguesa quer ocidental, estava somente a alienar-nos quanto às causas da guerra e aos possíveis resultados da mesma, comparanda-o com o início do ataque nazi, em 1939.
Previ que o embate militar fosse temporalmente mais curto, mas equivoquei-me face à ampla ajuda dos EUA e da UE, pois dei-lhe a duração de doze meses, no máximo, mas, faz agora dois anos e ainda continuam os combates e a mortandade (muito recentemente o ministro da Defesa britânico, James Heappey, considerou numa resposta parlamentar, que as perdas russas, em Janeiro, se elevavam a 350.000 mortos e feridos ‒ informação colhida no diário espanhol “El País” de 24 do corrente mês).
Os EUA parecem estar a mudar de estratégia e a deixar para trás a Ucrânia. Eu compreendo a razão se olharmos para o panorama conflitual que existe no Médio Oriente, pois, não se podem usar, em simultâneo, dois pesos e duas medidas, apoiando Israel na prática de um genocídio e condenando a Rússia pela prática de outro, segundo o ponto de vista de Washington. A Ucrânia está a passar a ser (na minha opinião, estupidamente) um “problema europeu”, prevendo a necessidade de Bruxelas fazer aumentar as despesas de todos os Estados da UE com fabrico ou compra de armamento para suportar um “ataque russo”. Isto corresponde a mudar de posição o principal pilar da OTAN dos EUA para a Europa, embora sempre sob o domínio da vontade do Pentágono. Se a Europa deve cuidar da sua segurança externa, que o faça autónoma da vontade de Washington. Nesse caso convirá perguntar ‒ Interessa à Europa a inclusão da Ucrânia na OTAN e na União Europeia? ‒ e, parece-me, nem numa nem noutra organização a Ucrânia faz falta para o bem-estar e segurança da UE. A Ucrânia passou a ser um problema russo quando Kiev, cedendo aos desejos de Washington, pretendeu integrar a OTAN. A exigência de Moscovo é bem clara nesse aspecto: desmilitarização da Ucrânia, não para a atacar e assimilar, mas para que, partindo do território ucraniano, não se ataque a Rússia.
Será uma invenção europeia o perigo russo ou será uma ingenuidade minha e de mais estrategistas ver na OTAN uma ameaça e não a ver na Rússia de Putin?
Não se trata de uma espécie de “fezada” a minha e a de muitos outros que se debruçam sobre este assunto. Não, porque fazemos retro análises de longa duração.
A Rússia durante séculos viveu fechada sobre si mesma, expandindo-se para oriente. Quando “descobriu” a Europa fê-lo através do poder imperial, para se modernizar, impulsionando uma elite restrita a procurar “copiar” a cultura europeia. Deste movimento nasceu a prática do comércio com o ocidente através de uma burguesia mercantil.
Sendo grande em extensão territorial, a Rússia não possuía um dos mais importantes elementos para o exercício do comércio internacional a grande distância: portos marítimos de fácil acesso durante todo o ano e com proximidade à Europa, nomeadamente à França e ao Reino Unido. Foi neste momento (final do século XIX) que Moscovo se deu conta dessa fragilidade estratégica num mundo que vivia em pleno a Revolução Industrial. A expressão dessa fragilidade ficou bem patente no confronto naval com o Japão, no início do século XX, quando a armada russa do Báltico teve de fazer o périplo da África, navegando até ao estreito de Tsushima onde o combate com os navios nipónicos a levou à derrota e ao tratado de paz.
Para Moscovo ficou provado que uma grande potência terrestre, tal como era o império russo, ou tinha condições de acesso ao mar ou devia procurar evitar que as potências navais, tal como havia já acontecido com Napoleão, pudessem penetrar no seu território para o reduzir por conquista. A consequência lógica, com a evolução dos armamentos, foi a de fazer-se cercar por Estados que funcionassem como tampões de modo a colocar o perigo sempre distante das suas fronteiras. A prova evidente e mais recente desta estratégia defensiva foi-nos dada na conferência de Yalta pouco antes do final da 2.ª Guerra Mundial, quando os tês principais aliados (Churchill, Roosevelt e Estaline) concordaram em estabelecer uma esfera de influência satélite da URSS.
Assim está explicada a razão do ataque russo sobre a Ucrânia, valendo-se da existência de uma maioria étnica russa na região Leste daquele país: continuar a ter acesso ao Mar Negro e garantir a desmilitarização do que restar da Ucrânia.
Fechei a explicação estratégica, isenta e tanto quanto possível inócua. Não obrigo ninguém a acreditar em mim, mas espero que deste modo, lastimando o sacrifício dos ucranianos, se percebam as razões que estão para além do que se diz como propaganda.