Vagas de calor
Passei férias de Verão mais de doze anos num pequeno “Monte” muito cerca da fronteira de Ficalho, no chamado Alentejo profundo. Cheguei a estar por lá dois meses ou, até três, no tempo de maior calma (do mais seco calor), que vinha sempre quando o vento ‒ às vezes, uma simples aragem ‒ soprava de Espanha.
Só a sombra do interior da casa com os lambazes salpicados de água fresca do bidão onde fazíamos reserva, vinda a braço, em baldes e cântaros, do poço próximo, que, depois de analisada garantia a potabilidade impecável do seu veio, aliviavam o calor escaldante que fazia lá fora.
Houve uma noite, já rapaz de dezasseis anos, que não aguentando o respirar ainda quente da casa, fui dormir para a eira, em cima da palha. Avisaram-me da brotoeja, das cobras e sei eu lá de que mais. Fiz ouvidos de mercador e lá me deitei sob um céu estrelado, onde corria uma brisa mais fresca. Acordei com os alvores do dia, que ia ser quente, de certeza. Vim para casa sem sinais de quaisquer mazelas. Já passaram muito mais de sessenta anos sobre essa noite e esses calores.
Não sei se era o vento de Espanha ou o suão de José Régio que povoou muitos dos meus Verões perto de Aldeia Nova de S. Bento. Não se falava ainda de aquecimento global, embora ardessem poucas ‒ porque limpas ‒ algumas matas nas Beiras. Ou, talvez, fosse a censura quem calava os fogos, como quase calou Aquilino Ribeiro e o seu Quando os Lobos Uivam.
Que há mudanças climatéricas não tenho dúvidas, pois as estações do ano tão bem definidas, na minha infância, esbatem-se e interpenetram-se agora, quando a humidade e o frio me enferrujam as dobradiças e o calor me baixa a tensão arterial.
Não arrisco dormir nas eiras, que já não tenho, quando, depois de um dia de canícula, me sabe bem o fresco da noite. Contudo, pergunto-me, muitas vezes, se, no dizer cheio de humor de Vasco Santana, “esta bola que rebola e dá voltas sem parar” não estará, também, a sofrer efeitos daqueles muitos que o Sol exerce sobre a Terra.
Não sei e, consequência da minha ignorância, sou atrevido no lançar de hipóteses que, provavelmente não têm qualquer fundamento, estando certos todos os que vêem nos automóveis, aviões, navios de cruzeiro, nas fábricas que consomem carvão e em tantas mais fontes de produção de CO2 a razão destes excessivos calores estivais, nas chuvadas imensas de Verão e nas consequentes cheias que transbordam leitos traçados há milénios.
Estou de frente para uma ventoinha que me dá a sensação de fresco, porque somente agita o ar. Queira Deus que a electricidade que a alimenta não seja produzida numa usina que queima carvão.