Um país de abstencionistas
Depois da vitória liberal de 1834, os Poderes em Portugal passaram a estar sujeitos ao voto “popular”. Mas este voto e este povo votante foi sendo, ao longo do tempo, variante e variável. A nossa “democracia” sofreu, como quase todas as democracias europeias, de “adaptações” do “eleitorado”, porque, num tempo em que havia quem pagava impostos e outros não, uns sabiam ler e escrever e outros não, uns eram do sexo masculino e outros do sexo feminino, uns eram chefes de família e outros não, nem todos podiam ter o “direito” de voto. Votar foi, durante muito tempo, um privilégio dado somente a alguns.
Em Portugal, só em 1918, num momento de grande necessidade de apoio popular para um ditador nascido de uma revolução – Sidónio Pais – foi dada aos eleitores a possibilidade de eleger o Presidente da República. E ele foi eleito por sufrágio universal para, poucos meses depois, ser assassinado a tiro de pistola. Mas, embora a corrida às urnas tenha sido significativa, houve abstenções.
Depois, com o decorrer da República, os cadernos eleitorais foram sendo alterados para servirem os interesses dos grupos políticos em melhores condições para chegarem à vitória. Jogava-se com número de círculos eleitorais e com a quantidade/qualidade de quem podia eleger.
Após a imposição da ditadura, em 28 de Maio de 1926, a primeira consulta popular, mantendo a restrição do direito de voto e afastando das urnas quem não era passível de ser eleitor, teve lugar, em 19 de Março de 1933, aquando do plebiscito da Constituição Política mandada elaborar por Salazar.
O facto curioso, para evitar o que havia acontecido aquando da eleição directa de Sidónio Pais, foi que as abstenções contavam como se fossem um “sim” declarado.
A ditadura chamada “Estado Novo”, de tendências fascistas, com todos os tiques ligados ao regime italiano e, em certos aspectos, ao nazismo, facilitou e quase impôs o abstencionismo eleitoral como norma e, pior do que tudo, como “cultura” política em Portugal. Porque o abstencionismo, para além de representar um afastamento da vida pública e política, traduz uma forma de medo. Ao abster-me não me comprometo com este ou aquele modo político. Isso deixa-me a “liberdade” aparente de “mudar de campo” quando muito bem entender, mas, acima de tudo, resguarda-me de ser identificado ideologicamente.
Assim, não tenho receio em afirmar que a abstenção é uma forma de cobardia cívica, política e moral. A abstenção é um fruto do fascismo, como acabei de explicar. A abstenção é uma demissão política, porque é, afinal, por mais voltas que se dê, uma forma de compactuar com o Poder vigente, evitando rupturas, mudanças ou alterações.
Quando, como no momento presente da Europa, das Américas e, em certa medida, do mundo, a tendência é, cada vez mais, para o surgimento do populismo o qual é a porta que se abre ao fascismo, a abstenção política é condenável e irresponsável.