Um país a desfazer-se
Os últimos acontecimentos políticos em Portugal indiciam claramente uma nova fase histórica no país.
Se olharmos retrospectivamente a burocracia nacional, através da visão de estrangeiros que escreveram sobre o nosso modo de viver, verificamos que já cerca de 1580 um italiano referia-se aos processos de justiça dizendo que os funcionários, para se darem importância, retardavam o despacho de requerimentos e que isso acontecia a todos os níveis sociais, incluindo os ministros de D. João V, no século XVIII (tal como outro autor, este, francês deixou relatado). Continua, quase três séculos depois, a ter-se um excesso de burocracia que nos é familiar.
Bom, tem de se ter em conta que, no nosso país, em todos os actos de âmbito comercial, é vulgar, e faz parte já da nossa cultura, o interessado mover “mundos e fundos” para conseguir celeridade no despacho dos seus desejos. Vai-se do sorriso simpático ao jogo da sedução, passando pela mensagem de agradecimentos até à boa gorjeta que se deixa ou ao peru pelo Natal ou às garrafas de bom vinho. Tudo serve para ultrapassar dificuldades. O que não se leva em linha de conta é que, muitas dessas “atenções” estão definidas na lei como actos corruptivos passivos e ou activos. Para se ir parar à cadeira dos réus nos tribunais é um passo que o Ministério Público pode dar absolutamente nas calmas.
Do que tenho lido, visto e ouvido, o “grande caso” presente limita-se a um investidor estrangeiro querer avançar rápido com as dificuldades criadas para erigir a sua empresa e pô-la a trabalhar. Tentou, usando o nosso velho e conhecido método de “meter cunhas” ou “arranjar empenhos” (como se dizia no século XIX) de modo a acelerar aquilo que podia e devia andar mais rápido, porque investir milhões e vê-los parados sem dar rendimento é coisa que afasta quem se dispõe a fazer algo em Portugal.
É evidente que o Ministério Público ‒ olha quem! ‒ se sentiu posto em causa… Acelerar é coisa que por lá não se gosta. Nem lá nem em toda a máquina judiciária portuguesa. Assim, havia que pôr cobro às “cunhas”. Modo de proceder: arranjam-se nome de actos criminais para aquilo que é banal neste país de “empenhos e pedidos”. É um verdadeiro golpe de estado sem disparo de uma arma de fogo. Até há cinquenta anos foi a tropa quem derrubou governos e estadistas, agora são os magistrados do Ministério Público!
Deixo claro que as afirmações e hipóteses anteriores resultam do que é público sobre o processo judicial sem levar em conta duas coisas: o que se pode vir a apurar durante a investigação criminal e os milhares de euros que foram encontrados no local de trabalho do chefe de gabinete do primeiro-ministro, a sua proveniência e o destino que iam ter.