Ser português
Naturalmente, ser português é ser diferente de ser espanhol, inglês, francês ou sueco. E não se trata somente de falar outra língua; trata-se de pensar e proceder de maneira diversa, em muita coisa, de todos os restantes.
A isto chamam os antropólogos e os sociólogos “cultura”. Os psicólogos sociais também lhe dão o nome de idiossincrasia.
Como é que se caracteriza a cultura portuguesa ou, se se preferir, como é que “são” os Portugueses? Que retrato podemos fazer de nós mesmos? O que é que nos distingue dos outros povos?
Estas são perguntas legítimas às quais já houve cientistas sociais ‒ antropólogos, filósofos e sociólogos ‒ que deram respostas. Agostinho da Silva com a sua explicação da portugalidade, Eduardo Lourenço com a psicanálise da nossa nacionalidade e o quase esquecido Jorge Dias com o estudo do carácter português são exemplos de alguns ‒ talvez os mais destacados ‒ estudiosos que buscaram definir-nos.
Claro, poder-se-á colocar, num tempo de globalização, a dúvida sobre a existência de uma identidade “ampla” de um povo em contrapartida a uma identidade “restrita”, pois, quanto mais se interpenetram hábitos e comportamentos, mais se perderá aquilo que o caracterizou, restando, em última análise, a língua e a História como elementos definidores de diferenças.
Ora, embora sem a segurança ‒ pelo contrário, cheio de todas as inseguranças ‒ de quem se debruçou com cautela sobre estas questões do carácter e da identidade nacionais, julgo que, independentemente da globalização que vivemos, os Portugueses continuam a manter um substrato identitário, vindo de longe.
Na senda de Jorge Dias, poderei reproduzir alguns aspectos que, parece-me, continuam a fazer parte do carácter português.
Somos individualistas, embora queiramos parecer solidários, porque o nosso pensamento dominante é “salvo-me em primeiro lugar, depois vêm os outros”; isto é tão verdade, que se traduz no pagamento dos impostos ‒ obrigação individual para satisfação da colectividade ‒ pois se se puder escapar-lhes não nos pesa a consciência.
Somos vaidosos, pois, mesmo que faltem em casa pequenos luxos alimentares, temos de, na rua, mostrar abastança, traduzida na farpela, no calçado, nos adereços e, acima de tudo, no automóvel.
Temos especial propensão para fugir ao cumprimento das normas e regras, nomeadamente em ambiente de trabalho, sonhando sempre em não depender de patrão por se desejar ser dono do “negócio”.
Deixamo-nos impressionar pela autoridade e pela ordem quando no estrangeiro, facto que faz de nós trabalhadores admirados além-fronteiras. Todavia, em contradição com o individualismo, somos generosos, se vislumbrarmos reconhecimento social.
Somos, por natureza, tristes e nostálgicos, ainda que nos julguemos alegres; anda “agarrada” a nós uma desconfiança permanente o que nos leva a pensar que toda a gente nos quer enganar.
Poderia continuar, mas para meditação é suficiente. O resto poderão ler em Jorge Dias.
Mas, para consolo de todos, em boa verdade, somos hospitaleiros e não somos más-pessoas.