Receios
Todos os dias se morre em diferentes idades, mas, pela ordem natural (e aqui este “natural” tem a ver com a Natureza) das coisas, morrem mais velhos do que novos. Ora, seguindo esta “lógica” estou mais perto da idade de morrer do que já estive… fui escapando entre os pingos da chuva! Assim, tive mais tempo para “engolir sapos” do que era espectável e está na hora de os “vomitar” de mistura com todos os sucos gástricos que me foram envenenando a existência e as digestões.
Acontece que, na falta de outras pessoas com quem conversar e com grande prazer meu, discuto os temas sobre os quais tenciono escrever com a minha mulher. Ora, a prudência das senhoras é, por regra, muito maior do que a dos homens e lá vem o discurso inevitável: «Se fosse a ti, não escrevia nada disso! Ainda te vêm chatear e tens aborrecimentos sem necessidade». Ela preza e zela pela minha saúde física e mental, mas esquece que sou um polemista com gosto e por gosto. Claro, as polémicas dão-me tratos de polé à paciência e ao pensamento, mas, enquanto me entretenho a pensar nelas, não penso noutros assuntos, talvez mais incómodos.
Tranquilizo a minha mulher, dizendo-lhe: «Não te dê cuidado, porque não é desta vez que o coração vai parar por causa do calor das discussões!» Contudo, algumas vezes, penso que ela está cheia de razão e, calando-me, continuo a fazer mal a digestão de mais um sapo.
Mas que coisas terei que me incomodam durante quase uma vida? Bom, para além de um ou outro assunto das minhas actividades profissionais, incomodam-me atitudes de pessoas que foram amigas ou mesmo daquelas que nunca o foram.
A mentira, a hipocrisia, a vaidade balofa são outros tantos temas que me revoltam e sempre que tenho de aturar um indivíduo que mente, que é hipótrica ou é vaidoso balofo ou vaidoso por inveja, lá vai mais um sapito goela abaixo para o caldeirão onde os vou cozinhando em lume brando.
Ainda há dias não engoli um desses sapos, porque de imediato rejeitei a “refeição”. Trata-se de um companheiro de há muitos, muitos anos, que não fez na vida mais do que ser bom aluno e trabalhar para ganhar dinheiro. É um vaidoso sem remédio de qualquer espécie e um despeitado, porque nunca viu, ao longo da existência, reconhecidos aquilo que ele considera “trabalhos de alto gabarito”. A única coisa que fez e que merecia louvor público foi por ele tantas vezes anunciada, debatida e repisada que acabou perdendo o mérito que poderia ter tido. A vaidade cega-o e, depois, leva-o a fazer falsas afirmações com a veemência de quem está a dizer uma verdade irrefutável. Quando alguém lhe quer mostrar como está errado, como está a distorcer os factos, como está a ser vaidoso, insulta o interlocutor indo buscar assuntos de um passado distante em que ele era o “máximo” e o interlocutor um jovem dentro dos padrões correntes da normalidade de então.
Já foram tantas as vezes que o “chutei para canto” que já nem me lembro. Desculpo-o, porque lhe conheço o ego do tamanho de qualquer grande cidade de milhões de habitantes, mas, desta vez, acho, foi definitiva a minha resolução. Lá se foi um sapito desta para melhor.
Está claro que me faltam os grandes sapos, os sapões, os profissionais, mas, esses, creio, ainda vou ter tempo para um, por um, os ir vomitando. Lá chegaremos!