Razões de Estado e do coração
Não me vou embrenhar no labirinto da política espanhola, mas pretendo tecer algumas considerações para despertar em quem me lê a atenção para duas diferenças essenciais: a política feita com o coração e feita com a razão.
A unidade espanhola foi alcançada quase dois séculos e meio depois da portuguesa. Façamos contas.
Em 1249, D. Afonso III, depois de conquistado o Algarve, concluiu a unificação do território que, na prática, ainda é o que hoje forma Portugal, mas só em 1492, com o casamento de Isabel de Castela com Fernando de Aragão e depois de conquistado o reino de Granada, é que ficaram criadas as condições para se falar do reino de Espanha. E, como Espanha, ficou cinco séculos por diante.
Dito isto, passemos a outro ângulo da questão.
Não tenho escondido que sempre fui um eurocéptico por causa das nacionalidades e das diferenças culturais que impedem a existência de uma União Europeia como um todo político homogéneo. Pode viver-se em comunidade económica ‒ julgo mesmo ser conveniente viver assim ‒, mas não se deve ir além, porque os nacionalismos não se apagam numa Europa que lutou séculos para os definir.
Partindo da premissa anterior, ocorre-me entrar em contradição comigo, embora pareça um contra-senso. Na verdade, tal como hoje está, com uma fortíssima afirmação nacionalista com tendências fascizantes, a Europa e os políticos europeus têm de manter o projecto de pé sob risco de uma guinada à direita nos colocar no rumo de novos fascismos. Ora, como mal que é ‒ do meu ponto de vista ‒, a União Europeia, agora, tem de se resolver, evitando cisões, que podem vir por arrasto após a saída da Grã-Bretanha e a ascensão das direitas fraccionistas.
No contexto referido, não compreendo a necessidade de independência da Catalunha na medida em que é conveniente a Portugal e à União Europeia a unidade da Espanha, aliás, só vagamente contestada no século XX pelo País Basco e, agora, por alguns catalães.
Assim, julgo, a problemática espanhola, podendo ser vista pelas “razões do coração”, tem de ser olhada segundo as razões de Estado, o mesmo é dizer, com cálculo, ponderação e, até algum cinismo. E vejamos o motivo.
Uma Espanha dividida entre a “herança franquista”, o nacionalismo catalão e o calor de uma refrega social, como resultado de uma economia em desequilíbrio, vai, certamente, querer procurar “equilíbrio”, de alguma forma, em especial se o independentismo da Catalunha vencer. E tal “compensação” pode virar-se para Portugal.
Se é certo que, penso, já não será de admitir a acção bélica conquistadora, que ainda nos anos 40 do século passado se afirmou activa, podemos admitir a “conquista” mais “suave” e “doce”, através de acções estratégicas de natureza geopolítica e geoeconómica capazes de, aparentemente independentes e autónomos, nos colocar na dependência das decisões de Madrid, e tudo isto já sem a “capa protectora” da Grã-Bretanha e sujeitos à liberdade de circulação de pessoas e bens imposta no espaço europeu. Dito de outra maneira, a Espanha ainda é capaz de movimentar capitais, pessoas e interesses que, com toda a impunidade, nos fazem “dançar” de acordo com a “música” tocada em Castela (atente-se no que se passa nas terras irrigadas pela barragem do Alqueva).
Apoiar os independentistas catalães até pode ser um desejo do coração, mas devemos deixar impor a lógica das razões de Estado, e essas apontam para a “um assobiar para o lado” da nossa parte.