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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

20.07.22

Quando a língua foge para a verdade


Luís Alves de Fraga

 

Na continuação da guerra russo-ucraniana, vale a pena voltar atrás nas leituras por mim feitas há alguns anos para me centrar naquilo que se teorizou, se aconselhou ou se preconizou sobre a cena internacional futura, afim de tentar descortinar se os caminhos seguidos ou os, então, apontados estão em consonância com a actualidade.

Não me interessam autores de segunda ordem, porque esses, usualmente, encontram-se reféns de teses ou doutrinas políticas que lhes toldam a compreensão tanto do passado como do presente. Assim, agarrei o mais que célebre Henry Kissinger (A Ordem Mundial, escrita, no original, em 2014 e traduzida, em português, em 2015) e, lá para o fim, topei com um parágrafo que não resisto a transcrever, em especial, pelo que o autor deixa dito nas entrelinhas:

«Para os Estados Unidos, a demanda da ordem mundial funciona em dois níveis: a proclamação de princípios universais terá de ir a par com o reconhecimento das realidades históricas e culturais de outras regiões. Mesmo após análise da lição de muitas décadas difíceis, deve insistir-se na afirmação da natureza excepcional da América. A história não oferece trégua aos países que põem de lado os seus objectivos, ou o seu sentido de identidade em benefício de cursos menos pedregosos. A América tem de manter a sua noção de rumo como charneira decisiva das aspirações humanas de liberdade e como força geopolítica indispensável à afirmação de valores humanistas.»

 

Caros leitores, não ponham em dúvida o que acabaram de ler, porque eu tenho a certeza de ter feito a transcrição fiel do texto traduzido para a língua portuguesa e tomei a liberdade de destacar a negrito aquilo que me impõe a pergunta seguinte:

‒ Quem foi que invadiu a Ucrânia: a Rússia ou os Estado Unidos?

Não, não estou nem tonto nem pateta! É que, segundo a leitura subliminar das palavras de Kissinger, a Rússia é um actor secundário neste teatro que leva à cena a invasão da Ucrânia e a morte de militares deste país, da Rússia e civis inocentes.

Vejam bem a carga de imperialismo que estão subjacentes às afirmações: “natureza excepcional da América”, “A história não oferece trégua aos países que põem de lado os seus objectivos, ou o seu sentido de identidade em benefício de cursos menos pedregosos” e “A América tem de manter a sua noção de rumo como charneira decisiva das aspirações humanas de liberdade e como força geopolítica indispensável à afirmação de valores humanistas”. Isto ronda o discurso de qualquer senador ou qualquer imperador romano, para não comparar com os discursos sobre a superioridade da Alemanha de Hitler.

O mundo não era mundo se a América não fosse a charneira da humanidade!

Isto é brutal! É brutal, mas passa despercebido quando, no mundo não há desordens de maior, como foi o caso no tempo da escrita da obra que venho citando. Todavia, neste momento, quando vivemos uma guerra na Europa, no centro da verdadeira cultura ocidental, a brutalidade da última afirmação ressalta com toda a força para se nos impor como algo inadmissível, porque, se houver charneira das aspirações da humanidade ela não está nos EUA, mas sim, sem dúvida, na Europa, uma Europa mesmo que cheia de erros e de contradições.

Aquilo que os Estados Unidos querem arvorar como seu, pertence de pleno direito à Europa, uma Europa que vai do Atlântico aos Urais, uma Europa que deu para os EUA os colonos que criaram aquele recente Estado, tão recente que não tem moral para dar lições nem à Europa nem ao mundo.

 

Kissinger, arroga, para os EUA, um poder superior ao de todos os Estados, embora, entre, como soe dizer-se, com pezinhos de veludo, já que atribui aos EU uma finalidade quase salvífica em relação ao planeta Terra: “Para os Estados Unidos, a demanda da ordem mundial funciona em dois níveis: a proclamação de princípios universais terá de ir a par com o reconhecimento das realidades históricas e culturais de outras regiões”, ou seja, o Império concede reconhecer as realidades históricas das restantes unidades políticas do mundo, a par do reconhecimento das realidades culturais de outras regiões.

Ora isto não é um absoluto descaramento? Descaramento que nem foi, nem está a ser, nem será nunca, verdade! Pois, se há coisa que a política imperial dos EUA não reconhece é a História dos outros povos nem o respeito pelas culturas diferentes daquilo que os donos do poder em Washington entendem serem a cultura ocidental, que, como já tive oportunidade de mostrar, é bem diferente daquela que é a cultura ocidental europeia.

 

Em conclusão, toda a estratégia nacional dos EU é uma estratégia imperial ou imperialista, porque não se limita a defender os interesses e os objectivos que dão segurança e bem-estar ao seu povo, mas busca a subordinação dos outros povos ‒ numa clara agressão ao Direito Internacional e à soberania dos outros Estados ‒ aos interesses e objectivos daquilo que os donos do poder, nos EUA, entendem ser os objectivos nacionais e globais de Washington. No fundo, os restantes Estados ou são colónias ou protectorados americanos ou inimigos da ordem mundial por eles estabelecida.

 

E isto é tão certo que há poucos minutos chegou ao meu computador a notícia dada pelo jornal espanhol El País, que resume a situação da seguinte forma: «O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, ameaça que os territórios que Moscovo aspira controlar "se moverão ainda mais" se o Ocidente entregar mísseis de longo alcance a Kiev.»

Quem é que está a agredir quem? Quem é que está a impor uma ordem nova a quem?

 

E esta noção de sermos uma colónia dos EUA está tão entranhada em todos nós que, ontem, numa estação de televisão, um general (na reserva) do Exército português, falando da Ucrânia e das movimentações militares que se estão a operar no terreno disse, para logo de seguida emendar, qualquer coisa como: “Estamos a tomar posições… Quer dizer, os ucranianos estão a tomar posições…”.

Elucidativo, não é?

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