Professor, juiz e carrasco
Esta coisa de leccionar, em especial no ensino superior, apresenta várias complexidades e alguns problemas de consciência.
Para muitos dos que não passaram pelos anfiteatros das diferentes faculdades, ensinar numa universidade, é, aparentemente, uma coisa simples: preparar a lição e "palrar" durante uma hora e meia ou duas sobre um determinado assunto. E pronto, está feito um professor e está dada matéria!
Nada mais errado!
Claro que o professor universitário, antes do mais, tem de ter uma mente aberta ao mundo, ainda que seja um especialista em determinada matéria. Abrir a mente ao mundo é possuir e manter uma curiosidade constante para perceber, relacionar e sintetizar o que vê, ouve, lê ou simplesmente sabe. O professor universitário auto-limitado no conhecimento limita-se a formar pequenos robôs do saber. Contudo, aquele que está atento ao mundo, nessa atitude de expectativa constante, tem, quase sempre, uma opinião sobre o que se passa, ainda que não seja dentro da sua área de especialização. O professor universitário sabe que sabe muito pouco perante tudo o que é o saber e, para além do mais, sabe que o saber — se se preferir, a ciência — é uno. Saber é saber de tudo e, afinal, ter a certeza das suas incertezas. E são estas dúvidas que ele tem de passar aos seus alunos. Dúvidas que ajudam a construir algum conhecimento, tão incerto como a data da morte de cada um de nós. A incerteza é que constrói!
Enquanto no ensino básico e secundário se transmitem "quase" certezas, no superior fomentam-se incertezas.
E por quê? Porque, tal como dizia Camões no seu certeiro soneto, o mundo é composto de mudança. As certezas de ontem são as dúvidas de hoje e, amanhã, serão dados ultrapassados.
É esta forma de estar e não estar, de saber e não saber, de afirmar e duvidar, que fazem do professor universitário um carente de conhecimento.
Mas se o professor universitário for o contrário disto que acabei de expor, ele pode saber bastante de um pouco de algo, mas estiolou, definhou, morreu para a actividade docente. Talvez, nem mesmo nunca para ela tenha nascido!
O professor, qualquer professor, para poder ensinar tem de investigar: ler, estudar, meditar, reconstruir o conhecimento, escrever, ajudar outros a investigar, orientando-os nos caminhos a seguir e, acima de tudo, opinar. Opinar é muito importante, pois representa um exercício de afirmação pública; uma exposição. E mal vai o professor que evita a exposição pública. Assim recapitula tudo o que sabe e o que não sabe. E, quem ensina por prazer, faz tudo isto sem grande custo.
O que custa é ser juiz. Juiz e carrasco.
O professor é sempre juiz, visto ter de avaliar o conhecimento, as capacidades e as potencialidades daqueles a quem transmite saber, dúvidas, certezas e incertezas.
Quando dita uma classificação ele é um juiz cego e surdo a todas as influências alheias àquilo que o deve nortear para encontrar a medida certa da avaliação a fazer. E, sendo difícil esta acção, pode sentir prazer, porque vê espelhado nos trabalhos dos alunos o seu próprio trabalho, ou tristeza, quando verifica o baixo rendimento de quem não passa da mediania, porque ele, professor, não soube despertar interesse para gerar desejo de boa qualidade. Todavia, pior do que juiz, é quando o professor tem de ser carrasco. Carrasco na exacta medida em que se obriga, ou, em consciência, se vê obrigado a aniquilar o progresso de um aluno, talvez para sempre. É um carrasco, na medida em que há sonhos tornados irrealidades, tristezas que jamais serão esquecidas, dores que ficarão por passar e feridas que não vão sarar.
É este o drama de um professor! Um drama de que pouco fala e, se fala, refugia-se na incapacidade dos alunos, porque, no fundo, lá bem no fundo, lá no mais recôndito de si, uma baixa classificação e um sonho cerceado correspondem ao reflexo de um seu insucesso, dado que, algures no tempo, ao contrário do pastor bíblico, ele preferiu o rebanho à ovelha perdida.
Não há dinheiro que compense este lado de ser professor!