Presidenciais – Reflexão V
Embora possa parecer contraditório, a democracia é o sistema político mais imperfeito até hoje inventado. Nasceu torto e jamais se endireitou. Vejamos porquê.
Na velha Grécia, onde surgiu, não era extensivo aos escravos por não serem considerados com direitos de cidadania. E, por isso, marcou-se como individualista. Tão individualista que se centrou no direito individual. E tão individual que, assentando na liberdade do individuo, se sobrepunha, no seu somatório, à totalidade dos cidadãos.
Esta questão levanta uma outra: a derrota dos vencidos pelo voto da maioria vencedora corresponde à anulação da liberdade individual dos primeiros! Então, pode querer saber-se da justiça de um sistema que, em nome da liberdade individual, esmaga essa mesma liberdade num conjunto minoritário de cidadãos! Já aqui se evidencia a entorse de um tal sistema.
Mas esta democracia, na ânsia de se ultrapassar, tornando-se mais justa, inventou-se, depois de 1917, numa outra que, tomando-lhe o nome, lhe alterou o sentido, pois defende a liberdade colectiva.
A resolução do colectivo deixou de ser uma violência assumida como tal, a partir de um valor individual, para ser uma resolução colectiva exercida em nome do colectivo. E, em consequência desta reviravolta, as minorias vencidas, para além de perderem o direito à reclamação individual, tornam-se contra-revolucionárias (porque o colectivo maioritário é sempre revolucionário e nele “nasce” a “razão verdadeira”). Assim, se reclamarem, porque o individualismo está, em nome da democracia colectiva, anulado, a sua manifestação deixa de ser um mero exercício de liberdade para passar a ser uma afronta à liberdade colectiva e à maioria. Reclamação que terá de ser severamente punida pela maioria, agora sim, detentora da “razão” e do “direito”.
Em breves parágrafos quis demonstrar a imperfeição do sistema democrático, entenda-se ele como o exercício de uma liberdade individual ou como o de uma liberdade colectiva e colectivista. O sistema democrático recorda a história do rapaz, do velho e do burro: nunca há processo de agradar a todos!
Mas é, ou tem-se feito crer, tratar-se do mais racional, justo e equilibrado de todos os sistemas governativos. Não é! Aliás, haverá sistema de governação perfeito?!!
Cabe aqui e agora, na sequência de mais um acto eleitoral invocado como democrático, mostrar toda a imperfeição daquilo que se convencionou chamar democracia, adjectivada, em tempos, de burguesa, porque individualista, em oposição à democracia colectivista.
No caminho que venho escolhendo para mostrar os “incorrigíveis defeitos” da democracia vivida em Portugal, e em qualquer lado, ocorre-me acrescentar, na sequência do que foi dito a propósito do exercício da democracia na Grécia antiga, que, depois da Revolução Inglesa, da Revolução Americana e da Revolução Francesa, se manteve, por todo este caminho de trezentos anos, o exercício da democracia limitado a sectores das sociedades passadas; foi a limitação do voto só àqueles que pagavam impostos de valor significativo, só a estes e na condição de serem alfabetizados, de terem idade adulta, de serem chefes de família, de serem do sexo masculino, etc., etc.
Disseram os defensores de cada uma destas limitações que estavam a salvaguardar a democracia dos abastardamentos que o voto universal lhe traria. Verdade seja que, realmente, estavam era a salvaguardar a democracia! Mas aquela que melhor defendia os seus interesses económicos e de classe.
Foi lenta a progressão para o sufrágio universal, mas, vistas as coisas com cautela, percebe-se ter havido mecanismos de compensação para garantir a salvaguarda dos interesses que tinham de ser defendidos: o trabalho feminino, ampliador do direito das mulheres, mas redutor dos salários masculinos e, acima de tudo, factor de abaixamento geral de salários; a importância da evolução da psicologia e das mensagens subliminares de ordem política para condicionar o sentido de voto; ampliação da acção da publicidade, retirando cunho ideológico aos políticos, tornando-os em meros “produtos” usáveis, descartáveis e substituíveis por “modelos” mais “vendáveis” e “modernos”. E tudo isto e muito mais são métodos de abastardar a democracia já de si eivada de defeitos a ela inerentes.
E aqui fica a minha reflexão de hoje, como tema a ser discutido amanhã:
Será a melhor forma de combater a abstenção conseguir que o colégio eleitoral seja de geometria variável temporalmente definida, para corresponder à verdadeira representação social do momento e do lugar?