Presidenciais – Reflexão IV
Uma das perguntas que fica sem resposta após cada acto eleitoral é sobre a constituição da abstenção. Ela não é estudada, por ser o lado “negativo” do acontecimento; fazem-se alguns estudos sobre os votantes, mas nada sobre quem não votou.
Ora, como tenho tentado demonstrar ao longo destas pequenas reflexões, o sistema, o nosso sistema democrático, está preso por linhas de fraca resistência — este sim, uma verdadeira geringonça — por causa da elevada abstenção. E esta merecia estudos sociológicos com base em inquéritos de elevada fidelidade científica. O aparelho do Estado, na parte mais nobre, a que resulta de eleições, está ferido de morte, porque, por vontade de uma maioria, se apoia exclusivamente no voto de uma minoria.
Hoje vou deter-me numa terrível contradição que, parece-me, é somente uma mera hipótese, o barulho feito pelas juventudes partidárias, pode não esconder: a abstenção centra-se na camada jovem da população absolutamente alheada da vida política. Se isto for verdade, estamos perante uma contradição altamente aberrante, que passo a explicar, e sobre a qual há que tomar remédio rápido.
Note-se, com a Constituição saída da Revolução dos Cravos, os jovens foram considerados adulto e no uso das plenas capacidades de cidadania quando completam dezoito anos de idade! Isto era uma verdade incontornável há quarenta anos, contudo, neste quase meio século, desapareceu por completo! Vejamos.
Enquanto no começo da década de setenta do século passado aos dezoito anos se estava apto — a grande maioria dos jovens portugueses — a assumir um emprego e responsabilidades na vida, que vinham mais cedo, porque a guerra colonial e o desejo de independência financeira assim o determinavam, nas décadas subsequentes essa independência foi sendo empurrada para mais tarde em consequência do próprio sistema e da moral pública: os jovens desejam concluir um curso superior, que só finalizam, na melhor das hipóteses, por volta dos vinte e um ou vinte e dois anos, não conseguem trabalho suficientemente remunerado capaz de os tornar independentes dos pais tão cedo e simultaneamente o acicate do casamento, para poder manter uma relação sexual estável, desapareceu, porque ela pode fazer-se, e é socialmente consentida com a conivência paterna, a partir de tenra idade. E é assim que o conceito de “jovem” se estendeu para os trinta anos e agora já vai a caminho dos trinta e cinco!
É uma contradição ser-se cidadão de pleno direito aos dezoito anos e poder manter-se socialmente irresponsável até aos trinta ou trinta e cinco! É o querer ser-se duas coisas numa só! Eu não fui jovem aos trinta anos! Eu era novo aos trinta anos, mas jovem jamais! Jovem fui até aos vinte e poucos, porque com vinte e quatro já estava a assumir responsabilidades familiares, sociais, económicas e laborais independentes. E isto aconteceu com a gente do meu tempo! As moçoilas de então queriam casar e ser mães para se livrarem do jugo paterno, julgando ganhar liberdade no matrimónio.
Se a abstenção se situar mais entre os chamados jovens até trinta anos, se, repito, então, quer parecer-me, haverá que alterar o conceito de cidadão adulto para um tempo de muito maior responsabilidade e obedecendo a critérios que não sejam só os da idade.
Mais uma reflexão que vos deixo!
É bastante incómoda. Não é politicamente correcta, mas nem por isso desmerece de uma análise e estudo cuidados.