Porque estamos em Abril
Faltam quatro noites para comemorarmos a madrugada redentora de 25.
Em jovem, talvez já não tanto, ensaiei ser poeta (todos somos poetas alguma vez). E foi em Abril de 1976 que alinhei palavras para serem poema e saiu o que se segue.
Creiam, só já muito tarde retomei este alinhar de palavras que guardo, agora não na gaveta, mas no computador.
Aí vai…
Eu vi
Eu viu-o chegar ao quartel
para ir à inspecção
trazia na mão um papel
um aperto no coração
O vi o clínico aprovar
esse mancebo boçal,
fazer dele um militar
um soldado de Portugal
Eu vi o sargento tarimbeiro,
gritando muita vez,
instruí-lo no morteiro
e no tiro de G-3
Eu vi-o perder a simplicidade
do pensamento puro
e trocarem-na pela maldade
do soldado maduro
Eu vi-o de braço estendido
a fazer o juramento
frente ao general comovido
com o belo alinhamento
Eu vi-o quase a partir,
cantando para esconder
o medo de sentir
que talvez fosse morrer
Eu vi-o no avião
sentado a soluçar,
tapando os olhos c’o mão
não fossem d’ele troçar
Eu vi-o no pântano enterrado
correndo no mato infernal
como estátua emboscado
de baixo de fogo real
Eu vi-o com paludismo
e outros males tropicais
doente com reumatismo
tudo sofrendo sem ais
Eu vi
Eu vi morrer-me nos braços
esse mancebo boçal
de quem recordo os traços
porque também eu morri
na guerra colonial.
Lisboa, Abril de 1976