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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

28.11.20

Páginas do Meu Diário - 8


Luís Alves de Fraga

18 de Fevereiro de 2019

Voltando à importância dos domingos, recordo o som dos sinos das igrejas, na minha rua, chamando para a missa. Chegavam vindos da Penha de França, da Graça, dos Anjos e, se calhar, de outros templos mais. É coisa que por aqueles lados, agora, o ruído constante do tráfego automóvel, não permite ouvir aos domingos ou em qualquer outro dia.

Lisboa, há quase oitenta anos, era uma cidade com uma vida que subia das ruas até aos pisos mais altos das casas onde escutávamos o chamamento para as aquisições mais essenciais: as vendedeiras enchiam os ares de pregões, os ferro-velhos e os amoladores complementavam-nas.

Da Graça à Baixa era, nesses anos de fim de guerra, um salto. Ia com a minha mãe ao mercado da praça da Figueira comprar géneros frescos. Naquele imenso espaço, cheio de cheiros e barulhos, de encontrões entre gente que procurava, do peixe à fruta, da carne aos legumes, o que lhe faltava, eu perdia-me a olhar as bancas de venda, esperando pelo ansiado momento de, nos passeios do Rossio, poder caminhar sobre as grelhas de ferro ainda agora existentes, cobrindo a calha de esgoto das águas das chuvas. Divertimento único, que recordo quando volto ali e sigo os mesmos passos de então.

 

Não me lembro de ver os refugiados da guerra na Europa, mas lembro-me do contraste entre as velhas mulheres de Lisboa, que usavam saias compridas, tampando-lhes mais do meio da perna, e das outras, das que vestiam a nova moda trazida por todos os que demandavam a capital na busca de um embarque para o Novo Mundo. Ouvia, à minha mãe, falar nos penteados e nos vestidos à maneira das estrangeiras.

Na verdade, pelo que depois vim a saber, Lisboa encheu-se de refugiados e de espiões que se cruzavam nos cafés da Baixa e nos hotéis da cidade e do Estoril. A neutralidade portuguesa favorecia a existência desta espécie de terra-de-ninguém onde todos se encontravam na esperança de enganarem todos.

A manha política de Salazar possibilitou essa neutralidade, exaltada pelo regime, mas, realmente, muito vergonhosa! Foi-o, porque resultou de uma série de jogos duplos com as potências em conflito. Com a Alemanha não era só a negociata do volfrâmio; era, acima de tudo, a esperança de identidade ideológica por parte dos germânicos, quando, na verdade, o salazarismo nunca foi expansionista, nem belicista, nem outra coisa para além de um fascismo de trazer por casa. Foi duro, foi antidemocrático, foi cruel, mas nada comparável ao franquismo, ao nazismo nem ao regime italiano de Mussolini. Eles, em Berlim, sabiam das manobras manhosas de António Salazar, mas não lhes interessava desafiar mais os Aliados, em especial os Britânicos, num teatro de operações onde não viam vantagens estratégicas.

Foi essa pobreza estratégica que levou os nazis a aceitarem jogar o jogo do faz de conta. Se tivessem querido acabar com ele ter-se-iam servido do general Franco e da sua Espanha dominada pela Falange fascista, católica radical, anticomunista e, acima de tudo, nacionalista e desejosa de anexar este absurdo geográfico e político a que chamamos Portugal.

 

Com efeito, a existência independente do nosso país ‒ se é que actualmente ainda se pode falar de independência ‒ deve-se a sucessivas coincidências e acasos históricos depois de 1385.

Só para recapitular e não deixar esquecer, aqui ficam os tópicos sobre o que afirmo antes: a paz temporária com Castela, em 1411, permitiu e incentivou a jogada estratégica da tomada de Ceuta no ano de 1415, gerando um equilíbrio ibérico com base na existência independente e autónoma de Aragão e suas conquistas no Mediterrâneo, de Granada e de Portugal e suas dependências atlânticas; a expansão marítima e o comércio possibilitaram a continuação de uma superioridade na Península, bem como a chegada ao Oriente; mas, cem anos depois, a exaustão havia sido alcançada e restou a Portugal, na falta de ouro para prosseguir o comércio oriental, render-se à, já então, Espanha unificada; 1640 foi um equívoco que continua a ser mal contado ‒ porque se olha excessivamente para o lado nacionalista e muito pouco para o que representou a união dos reinos ibéricos para a grande burguesia mercantil portuguesa e espanhola, bem como para a grande nobreza de Portugal ‒ e que só vingou fruto do envolvimento da Espanha numa guerra mais séria na Europa (a Guerra dos Trinta Anos); o Brasil, e o facto de por lá os altos responsáveis terem fugido à obediência a Madrid, ficando-se pelo reconhecimento do novo rei de Portugal, salvou a restauração, tal como a ele se ficou a dever o reequilíbrio do comércio e finanças, muito embora, com a renovação da aliança com a Inglaterra se tenham desenhado os contornos da nova dependência; foi a ela, aliás, que se ficou a dever a ausência de unificação com a Espanha aquando das invasões napoleónicas, todavia, a ela se deve a independência do Brasil, a qual nos lançou por completo no braços de Londres, tábua de salvação do abraço de Madrid.

Focados de passagem estes tópicos ‒ mais tarde ou mais cedo voltarei a eles para os desenvolver, relacionando a História com a Geopolítica e os interesses internacionais com os interesses nacionais de modo a explicar os acontecimentos de um modo dinâmico ‒ volto à 2.ª Guerra Mundial e à neutralidade portuguesa.

 

Mas, se os nazis aceitaram a manha de Salazar, também Londres foi conivente com ela. Aliás, o ditador servia muito bem os interesses britânicos, porque, também eles não estavam empenhados em abrir a frente ibérica às operações militares, mas não dispensavam a utilização das bases, em especial, aéreas nos Açores para, desse modo, controlarem a zona invisível do Atlântico onde operavam, com quase total impunidade, os submarinos alemães. No fundo, os Britânicos desejavam a neutralidade portuguesa e, ao mesmo tempo, a prática de actos bélicos incompatíveis com esse estatuto. A eterna ambiguidade que Londres queria para Portugal. Havia sido assim logo no começo da Grande Guerra, em Agosto de 1914. Contudo, na 2.ª Guerra Mundial, foi Salazar quem serviu a ambiguidade, mas distribuindo-a pelos alemães e pelos britânicos.

Amanhã volto ao assunto.