Os equívocos da História ou a História que convém
«Se, hoje, capitães de Abril se sentem honrados por terem participado na guerra colonial, é porque admitem que os seus objetivos, a manutenção da ditadura e a preservação das colónias, eram justos. É então a altura de pedirem desculpa por terem participado no 25 de Abril que pôs fim à “honrosa” guerra e liquidou o império, essa nossa “pertença congénita”.»
Pedro Pezarat Correia
“Excelente” maneira de, ao modo de Salazar, colocar a questão em tons únicos de preto e branco.
Pezarat Correia está a jogar com palavras. A honra não está em ter participado na guerra; está no modo como ‒ numa guerra que não era justa ‒ cada um se comportou! É o comportamento militar de cada um dos combatentes que está em análise, não é a guerra!
Pezarat Correia confunde, com manha, a floresta com a árvore!
Houve militares que fizeram a guerra com dignidade, com valentia, com sentido da honra que lhe era devida, não pela causa da guerra, mas pela forma como se comportaram nela em função dos códigos deontológicos admitidos.
Indo pelo caminho de Pezarat Correia ainda se chega à negação do juramento feito no acto de cada um se afirmar disposto a dar a vida pela Pátria. E esse juramento tem sido bastas vezes invocado para reivindicar direitos e, assim, dá vontade de perguntar se ele só serve para o que convém.
Indo pelo caminho de Pezarat Correia deixem-se estar sepultados, nos mais variados locais de África, os mortos da guerra, porque são mortos “inconvenientes”, mortos que morreram num combate sem valor nem valia. São mortos de uma guerra injusta.
Não. Pezarat Correia está a confundir alhos com bugalhos!
O soldado é um instrumento do poder político, não é um juiz desse poder. O soldado só julgará o poder político quando o tiver de derrubar, porque deixou de ser legítimo. E, se a guerra foi injusta ‒ porque efectivamente foi ‒, os maiores “heróis” da libertação das garras do fascismo não foram os de Abril de 1974, mas os de Abril de 1961. Esses, que por acaso eram da confiança política do regime, determinaram a tempo e horas, a ilegitimidade do poder, porque esse poder queria arrastar os soldados para uma guerra injusta e perdida à nascença. Foram afastados dos seus cargos e, muitos, apagaram-se para sempre. Desses, o único ‒ julgo ‒ que em Abril de 1974 era já herói, foi o marechal Costa Gomes.
Nós e os nossos generais fomos para a guerra sem consciência da sua injustiça e da ilegitimidade do poder que a mandava fazer. Foi porque a “canga” era pesada demais que os soldados se revoltaram; foi quando as pernas lhes falharam que surgiu o grito de revolta; foi quando a derrota ‒ e isso foi dito e redito ‒ estava à vista e o poder se preparava para culpar os soldados, que eles acharam o poder ilegítimo e a guerra injusta. Foi assim, tal e qual, por isso, sejamos honestos perante a História.
E se foi assim, temos de, e devemos, honrar os nossos combatentes, que ou morreram no campo da honra ou nesse campo se encheram de glória MILITAR.
Fui um “combatente” logístico. Estive em Moçambique por duas vezes. Mas, em consciência, só no regresso da primeira comissão, no início de 1969, é que tive plena noção da iniquidade da guerra e da necessidade de lhe pôr fim. Mas, nessa altura, andavam muitos dos heróis do Abril de 1974 a fazer a guerra, lutando sem revolta, contra o inimigo que o poder político lhes havia indicado. Nessa altura, não tive notícia de recusas de combate, nem de conspirações, nem de reviradas!
Sejamos honestos. Foi a perda da supremacia aérea, na Guiné seguida de Moçambique, em algumas zonas, que fez dobrar o joelho dos soldados combatentes no mato.
Houve combatentes que não cumpriram códigos de guerra e códigos de honra e foram condecorados e elevados à condição de heróis. Houve.
Quando é que foi nomeada a comissão de análise das condecorações por actos heróicos em combate, no seguimento do 25 de Abril de 1974? É que essa comissão, que não existiu, teria toda a legitimidade para condenar a guerra injusta tal como condenou o poder político! Mas nunca foi nomeada tal comissão, do mesmo modo que se não condenaram ou se deixaram fugir os torcionários da PIDE/DGS. Do mesmo modo que se reconheceram direitos de cidadania a criminosos do regime político derrubado. Que raio de coerência é esta?
Na minha opinião de cidadão, de militar, de historiador acho ‒ e estou a repetir-me ‒ Pezarat Correia está equivocado, porque confunde a floresta com a árvore.