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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

27.01.23

Os comprimentos das idades


Luís Alves de Fraga

 

Há várias maneiras de medir as idades: pelo grau de felicidade de cada um, pelo número de anos de existência, pela dimensão da tristeza, pela riqueza que se acumulou, pela miséria que se sentiu, pelas dores físicas que se tiveram e tantas, mas mesmo outras tantas maneiras, mas a mais vulgar já a disse: a idade com que se deixa esta vida (haverá outras?).

Pois bem, é tomando como base essa, que hoje vou ficcionar sobre a relatividade da diferença das idades.

 

(10) Quando eu tinha dez anos um garoto de cinco anos era, aos meus olhos, quase um bebé. Eu já brincava com carrinhos, aos cowboys, aos polícias e ladrões, já corria na minha rua com os meus amigos da mesma idade, já tinha um arco de madeira para o guiar nas subidas e descidas, fazia as minhas batalhas com soldados de chumbo ou de papel, já frequentava a escola e estava a terminar a instrução primária e o Zezinho (chamemos-lhe assim) ainda mal se aguentava nas pernas e nem à rua podia ir sozinho. Entre nós havia uma diferença de idades abismal!

(15) Passados cinco anos o Zezinho já fazia tudo o que eu fazia na idade dele, mas eu, com quinze, começava a frequentar bailaricos nas associações das diferentes casas regionais, ensaiava as primeiras tentativas de namoros, ia ao cinema sozinho e, até podia sair à noite, desde que chegasse a casa às dez horas. Era um rapazinho a despontar e o Zezinho era um puto!

(20) Decorre mais um lustro e eu tenho vinte anos, já fui à inspecção para a tropa, já conclui todos os ciclos de estudos que antecedem a universidade onde já entrei e que frequento como segundanista e o Zezinho está, agora, a descobrir que, afinal, as miúdas servem para serem namoradas.

(25) Cinco anos passados o Zezinho entrou há dois anos na faculdade, faz a barba e discute assuntos sérios com os seus colegas, tem namorada fixa e permanente com quem espera casar e eu, bem eu já casei e até já tenho um filho; sou pai e chefe de família; no emprego tenho superiores, mas também tenho subordinados que procuram desempenhar-se das suas funções de modo a agradarem-me.

(30) Quando dou por isso, passados mais cinco anos, o Zezinho já não é Zezinho, mas senhor Dr. José, empregado, casado e pai de um filho, enquanto o meu começou o ciclo de crescimento, já sou chefe de um departamento, no meu emprego, despacho a correspondência com o administrador e sou chamado para dar a minha opinião aquando da tomada de decisões importantes. De vez em quando vou, à noite, encontrar-me com o José, na cafetaria do bairro, e falar de política e de como vai o mundo nestes trambolhões que se dão nas relações entre nações. O José pede-me conselhos que eu, com cautela lhe dou.

(35) Com 35 anos já tenho mais um filho e mudei de casa, tendo comprado um bom apartamento num bairro novo nos arredores mais próximos da cidade. Subi de categoria no emprego e tudo corre de vento em popa. O José, nestes cinco anos que passaram teve alguns azares: divorciou-se, mudou de casa e de emprego, mas, porque é empenhado, conseguiu, ultimamente, um bom aumento de ordenado. Parece-me que anda de namorico com uma colega.

(40) Ao fim de cinco anos dei pelo aparecimento dos primeiros cabelos brancos; as patilhas já estão da cor da prata e preciso de óculos para ler. Os miúdos estão crescidos e o mais velho começa a dar-me dores de cabeça nos estudos. Já pensa em namoriscar e nada disto é como no meu tempo. O José voltou a casar e, para consolidar a situação tem mais um filho. Como casais, damo-nos bem e vamos de quando em quando fazer fins-de-semana fora. As nossas mulheres adoram falar de trapos enquanto nós os dois discutimos política, embora o José “jogue” no mesmo “clube” que eu. Embora mais novo é sensato e faz julgamentos muito ponderados.

(45) No dia em que fiz quarenta e cinco anos o meu filho mais velho trouxe a namorada ao jantar para que a família a conhecesse. O rapaz faz-me velho com estas pressas de agora. O José com a mulher foram uns queridos, pois, sabendo como eu gosto de fotografia, ofereceram-me uma excelente máquina fotográfica; ele está muito bem no emprego e torna-se difícil descobrir-lhe os traços de desvairamento que tinha por volta dos quinze ou dezasseis anos quando foi ao meu casamento. Creio que já tem sociedade na empresa.

(50) Bolas, acabado de fazer cinquenta anos, lá porque tenho umas dores nos intestinos, tive de fazer a primeira colonoscopia e, para não ficar muito chateado, não sei se comece a pintar o cabelo de preto ou o deixe embranquecer por completo. O José queixava-se, há uns tempos, que tinha começado a usar óculos para ler… Eu, agora, é para ler e para ver à distância. Custou, mas, finalmente, o meu filho mais velho acabou o curso e arranjei-lhe o primeiro emprego; disse-me, na semana passada, que nem quer sair de casa, nem está a pensar casar, porque quer gozar a vida e a namorada também!

(55) Nestes últimos cinco anos cheguei a presidente do conselho de administração. É o topo. Daqui para a frente, só a reforma. A maldita da coluna está a dar cabo de mim por causa das hérnias. O pobre do meu amigo José foi operado, no ano passado, a uma. Ficou melhor, mas há ali qualquer coisa que não lhe permite que esteja sentado à secretária muitas horas seguidas. Comprámos, cada casal, a sua vivenda no Algarve, num condomínio fechado. Foi boa ideia, pois fazemos, a partir da Primavera, umas escapadinhas de fim-de-semana e, em Setembro, instalamo-nos, porque, em Agosto, vamos sempre uma semana para o estrangeiro. Os filhos já têm idade para tomarem conta uns dos outros e ficarem sozinhos. Ultimamente, comecei a notar que o José se cansa a subir escadas. Eu, não admira, mas ele!

(60) Fiz sessenta anos e apresentei a minha carta de demissão. Vou para a reforma. Comprámos uma quintinha na zona do Ribatejo e tenciono dedicar-me à agricultura. Já me falta a paciência para aturar os problemas na empresa. O José foi operado ao coração e anda um pouco afanado. Tive mais sorte, porque só me meteram dois stents para me alargarem duas artérias.

(65) Finalmente o meu filho mais velho resolveu montar casa com uma das muitas namoradas que já teve ‒ diz que são amizades coloridas… quem se tem visto negro tenho sido eu para o aturar. O José reformou-se e foi, definitivamente, para a vivenda do Algarve. Aquele gajo faz-me falta, preciso de gente da minha idade para conversar!

(75) Vendi a quinta, no ano em que fiz setenta e cinco primaveras e vim para o Algarve caturrar com o José. Passamos os dias a falar ou de política ou dos nossos tempos de juventude ou a das malditas dores que ora são em baixo ora em cima, mas não há dia nenhum que não chateiem. Quando chegamos a velhos é assim! Quem dirá que o José é mais novo do que eu?

 

Afinal, aquele puto, que nasceu quando eu tinha cinco anos, é, agora, da minha idade!

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