Os “buracos” do Costa
Desde a maioria parlamentar do PSD, no tempo do Cavaco Silva como Primeiro-ministro, nunca gostei deste tipo de repartição de votos. As maiorias absolutas são ditaduras disfarçadas com a agravante de realmente nunca o serem de verdade. Com efeito, se formos verificar as abstenções de voto, aquando das maiorias no nosso país, chegamos à conclusão de que os silenciosos nem sempre apoiam os votantes, bem pelo contrário: são completamente apáticos à luta partidária o que não faz deles monos políticos, pelo contrário, pode torná-los em críticos acérrimos dos governantes. Por conseguinte, desengane-se quem julga, no mundo da política, que ter uma maioria absoluta é ter o país consigo.
Ora, se já não era, pela razão que expliquei, menos o é, no caso da maioria António Costa, por causa dos sucessivos miniescândalos a que temos vindo a assistir por total desprendimento e aparente indiferença do Primeiro-ministro.
Costa é um verdadeiro “animal político”, maior do que Mário Soares que, afinal, vivia de “intuições políticas”, tendo feito poucas vezes verdadeiras “jogadas” políticas. Costa, abrindo um sorriso fácil e simpático, torna-se impenetrável à compreensão das jogadas de xadrezista que o caracterizam. Afirmei isto quando preparou uma verdadeira armadilha a António José Seguro para se apossar do aparelho do Partido Socialista. É verdade que o primeiro jamais seria capaz de executar a política do segundo, em 2015, quando derrotou Passos Coelho depois deste ganhar em minoria as eleições legislativas. António José Seguro nunca se entenderia com os comunistas e bloquistas; provavelmente, entender-se-ia com os homens do PSD, tentando amenizar a fúria neoliberal de Passos Coelho, no que, inevitavelmente, seria vencido.
Valeu a Costa a sua extraordinária capacidade de mimetização que levou uma parte do país a acreditar na chamada “geringonça” como forma de continuar a conduzir Portugal para uma esquerda confortável e inédita. Não o deixaram os comunistas que lhe previram o golpe de retorno ao centro-direita em que parece querer estar agora, depois, de mais uma torção para parecer uma coisa e obter outra, aquando das últimas eleições legislativas. Alcançou o que, afinal, sempre ambicionara: a maioria absoluta. Todavia, foi uma conquista que mais parece pessoal do que institucional. Ganhou contornos de “golpe de estado”, especialmente por causa de tudo o que se tem seguido. António Costa está no topo da pirâmide, dirige a governação lá de cima sem se preocupar em estender até à base da mesma a influência da sua autoridade, da sua vontade, das suas directivas. É uma pirâmide desarticulada cujos diferentes patamares parecem em autogestão.
Este Costa ou está inebriado com a maioria absoluta e o que ela representa em Bruxelas, não só por ser uma maioria, mas por ser uma maioria de um partido tido como de esquerda (a esquerda e direita é muito relativa, dependendo da conjuntura onde se afirma… Em Portugal, tem feito um papel de direita moderada, porque a direita tem jogado sempre mais à direita e a esquerda menos à esquerda) ou tem projectos mais ousados, não lhe interessando empenhar-se demasiado nas problemáticas internas. Isto remete-nos para a União Europeia onde pode estar a preparar um cargo para ocupar daqui por alguns meses ou, talvez, nos próximos dois anos.
Passos Coelho retirou-se para o ensino onde poderá preparar o salto para um voo mais alto; Guterres refugiou-se na ONU e chegou ao topo; Santana Lopes andou por aí para acabar numa Câmara Municipal de segunda categoria; mas, Durão Barroso deixou Portugal ao Deus dará e foi para Bruxelas de onde passou para uma pré-reforma mais do que dourada. Uns, tiveram e têm projectos pessoais que realizaram com sucesso, outros ficaram na mediania depois de poderem ter alcançado postos bem mais interessantes. António Costa não pertence ao segundo grupo e tem todo o perfil de que deseja alcançar uma reforma dourada. Mas com escândalos que o deixam naquilo que parece ser o seu capital fundamental, a liderança elástica e pragmática, dificilmente chegará a cargos de grande relevo.
Entretanto, ao contrário de se sentar solidamente na sela e agarrar as rédeas do poder com mão firme, parece andar aos trambolhões de um lado para o outro enquanto a montada toma o freio nos dentes e parte à desfilada.
São estes os “buracos” de António Costa ou ele é um “bluff” político?