Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

12.01.20

O Ultimato Inglês


Luís Alves de Fraga

 

Passou ontem o centésimo trigésimo aniversário do ultimato inglês a Portugal, determinado pela imposição de o Governo de Lisboa fazer sair do território dos Macololos e dos Machonas uma pequena força militar que por lá andava a proceder ao levantamento topográfico para a abertura de uma linha de caminho-de-ferro ida da costa oriental da África até ao interior.

A explicação da atitude de Londres não se pode ficar por esta meia dúzia de palavras. Tem de ir mais longe, pois só desse modo se alcança a deselegância do Governo britânico e a manha da do português.

 

Portugal definiu, logo na primeira metade do século XV, a sua “vocação” económica quando começou a comerciar com os povos da costa africana e, mais tarde com os do Oriente e, depois, com o Brasil: o grande sustentáculo nacional passava pela navegação marítima e transporte de mercadorias entre os portos onde chegava. Vendeu-se e comprou-se de tudo nos três séculos seguintes. Certas vicissitudes da política nacional fizeram mudar de rumo geográfico a actividade mercantil, mas foi sempre o monopólio da navegação que garantiu aos cofres da Coroa os réditos necessários para esta ir cumprindo as obrigações a que estava sujeita. Até ao fim do século XV a costa de África foi a fonte de comércio, na centúria seguinte passou para o Oriente, na segunda metade do século XVII virou-se para o Brasil até ao início do século XIX, quando Londres, para dar apoio à fuga da família real portuguesa e de grande parte da corte para a colónia americana, exigiu que findasse essa exclusividade naval, abrindo o país os portos à navegação internacional. Foi por essa altura que a Inglaterra passou a tutelar Portugal, pois, a par da revolução industrial iniciada na segunda metade do século XVIII, queria ampliar os mercados fornecedores de matérias-primas e o de compradores para os seus têxteis.

 

Depois da independência do Brasil e do apaziguamento das lutas liberais internas restava a Portugal voltar-se, de novo, para o comércio africano, monopolizando-o. E foi o que fez. A “mercadoria” mais rentável da época era a do transporte de escravos de África para a América.

Também aqui ocorreram dois tipos de “desaire”: por um lado, os Estados com capacidade naval entraram a concorrer com Portugal, traficando nos portos onde tradicionalmente os nossos navios acostavam; por outro, a Grã-Bretanha, temendo a concorrência industrial dos Estados Unidos da América por causa de ali ser mais barata a mão-de-obra na cultura do algodão, impôs a luta contra o esclavagismo, fazendo-a passar por um imperativo de ordem moral.

 

Mas a expansão da produção de têxtil britânica impunha, como já disse, a ampliação do mercado comprador. Assim se justificam as medidas tomadas na Índia contra a manufactura de panos nos teares familiares e a célebre frase, que dominou a segunda metade do século XIX ‒ “o fardo do homem branco” ‒ em relação à obrigação de “civilizar” os negros de África; “civilização” que mais não era do que levar os indígenas a comprar os tecidos baratos exportados pelos ingleses.

 

Percebe-se, agora, a fragilidade portuguesa, se tomarmos em devida conta que, desde sempre, a presença dos nossos “colonos” em África nunca foi além de poucos quilómetros a partir da orla marítima. Basta consultar a Constituição Política de 1822, para o verificar. Transcrevo:

«A Nação Portuguesa é a união de todos os Portugueses de ambos os hemisférios. O seu território forma o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e compreende: […] Na África Ocidental, Bissau e Cacheu; na Costa de Mina, o forte de S. João Baptista de Ajudá, Angola [entenda-se Luanda e o reino tradicional de N´Gola], Benguela e suas dependências, Cabinda e Molembo, as ilhas de Cabo Verde, e as de S. Tomé e Príncipe e suas dependências na Costa Oriental, Moçambique [entenda-se a ilha de Moçambique], Rio de Sena, Sofala, Inhambane, Quelimane, e as ilhas de Cabo Delgado; […]».

 

Para compensar a falta do Brasil e tentar recriar as condições perdidas, a partir de 1875, com a fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa, gerou-se um movimento, apoiado pelos governos da Monarquia, no sentido de explorar e, dentro do possível, acompanhar a acção de alguns Estados europeus (Bélgica, França e Grã-Bretanha), ocupando o interior de África, indo de parte da costa ocidental à costa oriental.

Esta política justificou-se, mais ainda, depois da Conferência de Berlim, concluída em 1885, pois os “direitos históricos” deixaram de ter qualquer valia, sobrepondo-se-lhe o princípio da “ocupação efectiva”.

Em Lisboa, porque se percebeu a manobra inglesa com vista à protecção das suas indústrias, procurou-se redefinir uma política de alianças e de apoios internacionais distinta da que tradicionalmente amarrava Portugal à Inglaterra e, deste modo, tentou jogar-se com Paris e Berlim, rivais de Londres na partilha de África. Foi da França e da Alemanha que se obteve a concordância para a definição do mapa cor-de-rosa (ligação da costa de Angola à de Moçambique).

 

De Londres foram sendo feitos avisos ao Governo de Lisboa, mas foram por este ignorados, como aconselhava uma política de aproximação à Alemanha, julgada como alternativa à aliança anglo-lusa. Face ao silêncio do Ministério dos Negócios Estrangeiros português o Governo britânico só teve de encontrar o momento e a oportunidade para “colocar na ordem” o “leviano e rebelde aliado”, que tentava fugir da sua órbita política e económica. Daí ao ultimato foi um passo.

 

O Partido Republicano Português, que se estava a afirmar no contexto interno, explorou ao máximo o acontecimento com três efeitos simultâneos: desacreditar a Monarquia, credibilizar a República como regime alternativo e desmascarar a política interesseira, arrogante e traiçoeira da Inglaterra. Conseguiu alcançar os seus objectivos no imediato e no médio e longo prazo.

 

Conclusão a tirar: nem o ultimato foi uma surpresa, nem a justificação dada para o mesmo ‒ união do Cabo ao Cairo ‒ era totalmente verdadeira, nem Portugal agiu inocentemente. O ultimato foi o resultado de um contexto económico internacional e de um choque de interesses nacionais.

1 comentário

Comentar post