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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

14.12.14

O tempo histórico: Uma reflexão teórica


Luís Alves de Fraga

 

Um dos conceitos que mais confusão faz em História é o do tempo!

Curiosamente, o trabalho do historiador situa-se sobre o tempo; o tempo e os factos ocorridos no tempo. Cronos domina a História, mas são os factos que se transformam em elementos mais determinantes da confusão. Tentemos olhar para estas duas vertentes do problema: tempo e factos.

 

Os factos na História ganham importância e relevo, pelo menos, de duas maneiras: ou, porque estão muito bem documentados, ou, porque foram determinantes, num exacto momento, para uma conjuntura específica. Mas os factos são uma função de uma outra variável: a vontade de quem os relata. Por seu turno, esta depende da importância social ou política que, na época da ocorrência, se lhes deu ou adquiriram posteriormente. Assim, estamos quase num círculo que se justifica por si próprio e é sustentado pelas razões antecedentes.

Para se perceber uma parte desta multiplicidade de ligações, atentemos num exemplo.

 

No plano meramente político e social da História Romana, a vida, a condenação à morte e a própria morte de Jesus, passou despercebida dos historiadores da época. Roma omitiu a morte do Filho de Deus! Ou melhor, os historiadores romanos coevos não acharam realce nesse acontecimento de tal forma que dele não deixaram referência significativa. A vida de Jesus foi, para a História de Roma, um não facto ou um facto insignificante. Jesus ganha importância, não porque a tivesse tido como acontecimento digno de ser realçado na História da Sua época, mas porque gerou um movimento de massas que Lhe consolidou a existência, Lhe deu notoriedade e Lhe conferiu, acima de tudo, perenidade. Jesus não foi, por si só, um marco histórico; passou a sê-lo em função do movimento religioso que desencadeou, em especial, depois da Sua morte. E deve-se essa memória aos Evangelhos — a alguns, que Lhe criaram uma imagem e um contorno imposto pela Igreja Católica, que Lhe deu projecção, pois, parece, outros terão sido silenciados escamoteando-os da História — tornados eles mesmos factores e factos históricos. E tão forte e tão divulgada tem sido a vida de um Homem morto aos trinta e três anos de idade, o qual, no seu tempo, não teve relevo histórico, que Jesus vive no presente e sentimo-Lo com extraordinária actualidade, chegando a haver momentos em que esquecemos a passagem de dois mil e catorze anos para nos catapultarmos a uma época da qual quase mais nada se sabe, para além dos relatos históricos deixados por quem a estudou fora do contexto do facto religioso.

Não fosse a História e a sua infinidade de relatos, teríamos hoje uma noção de ausência de tempo entre o ano primeiro de vida de Jesus e o momento de agora. E não se julgue que estamos a estabelecer um exagero! Atente-se na vida dos monges em clausura! Para eles o tempo parou há cerca de dois mil anos e mergulham numa História que é, por ela mesma, o quase começo e o fim da História. Quantos de nós, em criança, ao ler os relatos da vida de Jesus, não sentimos o desejo de recuar àquele tempo para poder ter sido uma testemunha daquela vida?! Isso configura, exactamente, a imposição dos factos ao tempo, anulando-o. Mas, por estranho que pareça, a inversa também é verdadeira, ou seja, o tempo faz desaparecer os factos históricos, reais e comprováveis documentalmente. Atentemos noutro exemplo.

 

Olhemos para a presença islâmica na Península Ibérica. Quando estudamos este tempo ele é pouco mais do que exíguo. Surge-nos como uma breve passagem de povos vindos do Norte de África que rapidamente foram expulsos através da gloriosa acção da “Reconquista” (assim, escrita com maiúscula inicial!). Os Mouros foram um episódio na História da Península! Só alguns historiadores, trânsfugas de uma verdade histórica, se deram ao trabalho de explicar exaustivamente essa presença sem que, mesmo assim, conseguissem alterar um tempo rápido de islamização. Ora, a questão que se coloca é muito simples: não houve factos merecedores de figurarem na História da Península durante essa aparentemente fugaz presença islâmica? E que quantidade de fugacidade foi essa? Mas essa transitoriedade não foi, realmente, pequena. Consideremos datas: se Tarik passou o estreito de Gibraltar em 711 e se, no caso português, a última parcela de território a ser conquistada foi o Algarve em 1249, no caso espanhol esse fim islâmico na Península só aconteceu em 1492. Temos, por conseguinte que, no lado nacional, podemos assinalar presença e coexistência de duas culturas durante um pouco mais de quinhentos anos. Tanto como o tempo que passou entre Álvares Cabral chegar ao Brasil e a época presente. E não há nada para contar destes quinhentos anos?!! Coisa estranha! O tempo, por falta de factos, parece que encolheu! Parece que o domínio islâmico se reduziu a uns dias, quiçá, uns anos e poucos!

Quem encolheu o tempo que nos separa de Jesus e da presença islâmica em Portugal? Mas, por um lado, a História do cristianismo, desde Jesus até hoje, é riquíssima em factos que a preenchem e, por outro, a História do islamismo em Portugal é quase vazia de acontecimentos. Como será possível que situações aparentemente diferentes possam gerar sensações semelhantes?

Outros exemplos se podem colocar para se perceber a relação confusa entre História e tempo ou História e factos no tempo. Vejamos três casos paradigmáticos.

 

Na História do Estado Novo, à custa de se denegrir a 1.ª República, exaltando factos reais e omitindo outros, conseguiu-se essa coisa espantosa que foi dar, de dezasseis anos incompletos, a ideia de um longo período de desordem em Portugal. Ainda hoje, quem lê descuidadamente sobre aquele período tem dele uma percepção de tempo maior do que os reais quinze anos e meio que vigorou. Outra armadilha da História ou do tempo na História é o da duração da ditadura imposta e aceite em 1926 e que, para muitos, se confundiu com a mão pesada de Salazar a qual, de facto, só esteve pousada sobre a cabeça dos Portugueses quarenta anos (1928-1968), parecendo imenso tempo. Tanto que não se iguala na escala aos quarenta que levamos de regime democrático! A exaltação do dia 25 de Abril de 1974 — um só facto maior na História de Portugal — parece trazê-lo até nós como coisa do presente.

 

E que conclusão se pode tirar destas sucessivas ilusões históricas, destas aparentes mudanças de escala cronológica quando falamos de milhares de anos ou mesmo de uma mera dezena e meia de primaveras?

Por me ter debruçado longamente sobre esta temática creio que só uma situação justifica as desconformidades que distorcem o tempo na História: os interesses postos em jogo pelos grupos que determinam a opinião histórica, e esta, por seu turno, é sempre veiculada pelos historiadores sensíveis e susceptíveis de aceitar os ventos dos interesses sejam políticos ou religiosos ou, mais modernamente, financeiros. Assim a História é uma teia de Penélope que cada época, cada regime e cada interesse desfaz para fazer novamente. Deste modo o fazer da História não tem fim!

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