O saber parasitário
Da minha longa experiência docente tenho recolhido ensinamentos, no mínimo, curiosos, mas bastante úteis. Hoje dissertarei sobre um deles: a aquisição do saber.
Sem entrar em pormenores científicos, para não cansar os leitores, julgo poder dividir essa coisa que se chama “aquisição do saber” em quatro formas distintas, mas complementares: a que se faz através da socialização, a que se faz por autodidactismo, a que se consegue por acção escolar e a que se adquire por parasitismo.
O Homem, ao nascer, não sabe nada, ao contrário de todos os outros animais. O ser humano aprende quase tudo o que lhe é necessário para sobreviver com a sociedade, seja na célula mais minúscula – a família – seja nos mais complexos ambientes; vai-se conformando com as regras ou rebelando com algumas – neste caso, fica sujeito às sanções de ordem jurídica ou de ordem moral – mas sempre aprendendo. A sociedade, sendo absolutamente indispensável ao Homem, condiciona-o e, por conseguinte, “educa-o”, porque a educação é, na verdade, um processo de condicionalismo comportamental (a conduta exterior passa pela “ordem” em que se põe o conduta mental).
Esta aquisição de saberes imposta pela sociedade é aquela que acompanha o Homem por toda a vida. E que ninguém se diga capaz de lhe fugir.
A aquisição de saberes por autodidactismo não é só aquela que passa pelo estudo voluntário de determinadas matérias, como muita gente julga. É autodidacta aquele que lê o jornal, vê a televisão, vai ao cinema, lê romances, frequenta museus e exposições de pintura, fotografia, escultura e outras manifestações ditas artísticas, vai a concertos musicais. Isto é autodidactismo, porque todos temos a oportunidade de escolher ver, estar e ouvir, mas só alguns fazem um esforço no sentido de adquirir mais conhecimento, ou seja, adquirir mais saber. Erradamente, ou por mera conveniência, julga-se somente autodidacta aquele que estuda uma determinada matéria. Não é autodidacta quem se fecha a qualquer tipo de aprendizagem para além daquela que lhe foi transmitida socialmente.
A aquisição de saber através da via escolar é, nos dias de hoje, a par da socialização, a mais comum. A obrigação de alfabetização leva a que as crianças sejam entregues à acção dos professores para aprenderem – às vezes de formas incorrectas ou incompletas – os elementos essenciais para a aquisição de outros saberes. Claro que a escolaridade também faz parte da socialização, mas visa orientar os jovens para patamares mais complexos do conhecimento. Está na mão deles aceitarem e quererem progredir. A escolarização prepara os jovens para uma integração na vida social e laboral. Não os pode obrigar, mas pode despertar-lhes o gosto para a via do autodidactismo.
Chegado a este ponto, apetece-me perguntar: «Qual a razão de se adquirir saber?».
A resposta, julgo, situa-se em dois planos: o primeiro, para se sentir melhor na sociedade, para saciar a vontade de compreender o que se passa à volta – e a isto chamo realização pessoal –; o segundo, para, realizado socialmente, transmitir aos outros – sejam amigos, familiares ou desconhecidos – novos saberes, novos conhecimentos. É, por via desta última razão, que me surge a aquisição de saber parasitária. Vejamo-la.
Quando alguém, pouco sabedor de determinado conhecimento, procura quem saiba muito mais sobre o assunto e lhe suga – com simpatia ou não – a informação para ir, logo de seguida, “desfazer-se” dela junto de gente ignorante, passando a ser identificado como um “especialista”, esse alguém é simplesmente um parasita do saber de quem pediu ajuda. Parasita, porque não se esforçou para adquirir a erudição, mas surge como detentor dela. E será tanto mais explorador do saber alheio quanto mais esconder a origem da sua ilustração. Trata-se, claramente, de uma forma de plágio tão condenável como a cópia, palavra a palavra, de um texto escrito.
Ora, digam-me se é ou não complexo este tema do saber!