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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

28.11.22

O programa da Júlia


Luís Alves de Fraga

 

Todas as tardes, na estação televisiva SIC, passa um programa feito em directo, com o título "Júlia", apresentado pela conhecida entrevistadora e pivot Júlia Pinheiro.

Não é que faça das minhas tardes um tão mau uso que fique frente à televisão a ver programas geralmente foleiros. Não. Por vezes, no intervalo de uma qualquer tarefa (leitura ou escrita) espreito o que está a dar na televisão e lá topo com este. E que vejo? Um drama qualquer, uma injustiça social e muito raramente (provavelmente é azar meu) uma entrevista onde tudo corre bem e todos acabam felizes e contentes.

 

Poderia cair na tentação, aliás, fácil, de classificar o programa como um tempo mal perdido e pouco educativo. É isso que acontece com quase todas as pessoas arvoradas em intelectuais. E vão por aí, porque só perdem tempo a apreciar a “rama” do programa; se fossem mais cuidadosos, se tivessem formação sociológica e política, e não se deixassem levar pelo pedantismo, talvez descobrissem “coisas” que não estão explícitas num programa, que parece feito para entreter “velhinhos” sentados nas cadeiras dos lares onde esperam a hora de partir deste mundo não se sabe bem para onde ou donas de casa já pouco dadas a grandes lidas, mas com lágrima fácil. Um programa para os desocupados terem assunto para a conversa coscuvilheira de vizinhas de bairro ou de prédio.

‒ Este mundo está desgraçado! Então, viu ontem na “Júlia” aquela pobre que os médicos lhe tiraram a esperança de vida? Felizmente ainda há uns poucos que se preocupam com a gente!

‒ Tem razão D. Maria… este mundo não nos leva longe! Mas reparou naquela senhora que estava a assistir e se debulhava em lágrimas? Se calhar era familiar da pobrezinha!

E assim prossegue o diálogo, que pode nascer, e nasce, depois de visto o programa. Mas pergunto-me eu: «O programa destina-se só a isto?» Não. Ele quer ir mais longe de uma forma subtil, na esperança de que um qualquer sociólogo, que não se chame António Barreto, seja capaz de atingir os verdadeiros limites de tudo o que está por detrás dos dramas que a Júlia Pinheiro tenta deixar a nu e em carne viva para cumprir uma finalidade social.

 

É verdade. Por detrás de cada história ali contada na primeira pessoa e conduzida por aquela mulher que se mostra compungida, mas não lamechas, estão críticas, primeiro a todos nós, que já não nos comovemos depois de ver as atrocidades que nos mostram as televisões nos telejornais, para nós que perdemos o sentido da solidariedade, para nós que nos tornámos meros ouvintes passivos prontos a virar costas a dramas que afectam “irmãos” nossos, depois as críticas vão direitinhas para as entidades estatais, desde a segurança social aos tribunais, aos hospitais, aos hospícios, à polícia que, em vez de prender e levar à prisão, deveria olhar com atenção para os sem-abrigos, encaminhando-os com estima social para locais onde possam sentir a existência de um lar, mesmo que a fingir, críticas que vão também para entidades e Ministérios onde se olha para a sociedade com a sobranceria própria dos que têm tudo e desprezam os que têm carências de afectos, de apoio financeiro ou somente moral.

É tudo isto que está lá atrás de uma Júlia Pinheiro e de uma televisão que nos serve desgraças para entretém, mas também como crítica.

Este tempo de ecrã televisivo devia prender os assessores dos ministros (pagos a peso de ouro) para largarem patacoadas próprias de quem nada sabe da vida ou quer passar por ela sobrevoando-a sem ver, com olhos de ver, aqueles que estão “amarrados” a tristes realidades de onde não conseguem sair por força do peso da bola de chumbo que lhes amarraram ao tornozelo.

 

Uma coisa vos peço, caros leitores, quando passarem pelo programa da Júlia Pinheiro na SIC, à tarde, oiçam com sentido crítico o que por lá se diz e deixem as lamúrias de lado para dar lugar à revolta contra quem permite que tudo vá acontecendo sem reflexos numa sociedade que se quer socialista e solidária. É isso que se diz no preâmbulo e em vários artigos (9.º alínea d); 20.º n.º 1; 25.º n.º 1; 63.º n.º 3; 65.º n.º 1; etc.) da nossa Constituição.