O porquê das coisas…
Um velho e querido Amigo meu, companheiro do Instituto Militar dos Pupilos do Exército, um digníssimo Contra-Almirante, da nossa Armada, fez-me chegar às mãos ‒ usando, está claro, o correio electrónico ‒ a introdução aos apontamentos da cadeira de Economia Política, leccionada por um Mestre de excepção ‒ o Dr. Luizélio Saraiva ‒ que, para além desta, ministrava a Contabilidade Geral, o Cálculo Comercial, o Cálculo Financeiro e todos os outros “cálculos”, que, para mim, eram uma densa e impenetrável floresta por onde fui traçando um caminho muito junto ao mínimo de sustentação.
Ora, aconteceu que, no final de um determinado ano lectivo o Mestre ‒ também antigo aluno dos Pupilos, mas muito significativamente mais velho do que nós ‒ me disse, depois de me anunciar a rasteira nota obtida num dos “Cálculos”: «Para o ano o meu amigo terá comigo uma disciplina de que vai gostar muito e, se calhar, até conseguirá ter boas notas».
Calei-me, pois, se das Contabilidades eu não tinha medo (nunca estudei uma linha que fosse, porque tudo aquilo era absolutamente intuitivo, daí que, não sendo bom aluno, era suficiente) já dos Cálculos eu fugia a sete pés. Qual seria a matéria de que eu iria gostar assim tanto?
Esperei até ao começo das aulas e foi quando o Dr. Luizélio Saraiva nos deu os apontamentos de Economia Política por si elaborados. Encantei-me desde as primeiras linhas. Daquilo sim, daquilo eu gostava! E ele punha tudo tão claramente exposto que era difícil não perceber. E já citava Paul Samuelson ao mesmo tempo que explicava certas leis da Economia com base na obra A Situação da Classe Trabalhadora em Inglaterra, da autoria de Engels.
Foi este primeiro e grande contacto com uma visão da Economia Política fora dos estafados conceitos clássicos, que me permitiram, dez anos mais tarde, compreender a maior parte das teses de Karl Marx e de Engels, levando-me a aceitar significativo lote do pensamento marxista, sem fazer de mim um comunista (coisa extremamente difícil de admitir por parte de quem só vê em Marx o revolucionário, sem lhe descobrir as facetas de sociólogo, de economista, de filósofo e de historiador).
Foram os apontamentos de Economia Política desse Mestre e antigo aluno do Instituto dos Pupilos do Exército que me abriram as “frestas” por onde o meu pensamento político começou a tomar forma. E, para contrabalançar ou reforçar (ainda estou para descobrir), foi um outro grande Mestre, o Professor Adriano Moreira, quem me ajudou a perceber que o marxismo tem virtualidades inestimáveis quando se quer estudar muitos dos fenómenos sociais de agora e de ontem (talvez, até, do futuro).
Foi assim que, ao elaborar a minha tese de mestrado em Estratégia, debruçando-me sobre a História de Portugal e, mais exactamente, sobre toda a negociação que conduziu a Grã-Bretanha a solicitar a nossa beligerância, percebi que, aquilo que Marx chamou “luta de classes”, estreitando uma visão que, no meu parecer deve ser muito mais ampla, se traduz por uma realidade de todos os tempos: as relações sociais ‒ sejam entre homens singulares ou entre Estados ‒ são sempre conflituais, podendo o conflito estar latente, adormecido, levando a acreditar que até existe cooperação, ou, ao revés, estar bem vivo e aceso, manifestando-se na sua máxima expressão: a violência bélica.
Afinal, o Professor Dr. Luizélio Saraiva acertou em cheio quando me vaticinou maior apetência para as Ciências Sociais e Humanas do que para as Ciências Contábeis e Matemáticas.