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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

14.05.22

O petrodólar e a economia mundial


Luís Alves de Fraga

 

Se o leitor olhar à sua volta, quase de certeza, verá poucos objectos feitos de loiça (cerâmica ou vidro), de metal (ferro ou alumínio) e de madeira (ou vegetais como, por exemplo, verga). O que vê, em excesso ‒ digo eu ‒ são coisas feitas de matérias sintéticas, desde o telemóvel ao computador, passando por móveis, incorporando aquilo que vulgarmente designamos por plástico. E se olhar para as etiquetas da sua roupa, então ficará espantado, porque é muito baixa a incorporação de lã pura ou algodão nos tecidos que nos cobrem. Isto quer dizer que quase tudo o que nos rodeia tem proveniência nas moléculas de carbono que dão vida ao crude. O alcatrão das estradas é petróleo; a vaselina é petróleo; os pneus dos automóveis são petróleo. Quando não é petróleo são materiais com origem no carbono e sintetizados em laboratório. São produtos nascidos com o desenvolvimento da química orgânica, que gira à volta das moléculas de carbono.

Numa palavra, poderemos dizer que a actual economia do planeta assenta nos hidrocarbonetos à frente dos quais está o petróleo. No século XIX, a economia assentou no ferro e no carvão. Nos séculos anteriores assentava nos materiais naturais, no seu comércio e na sua produção, normalmente agrícola.

 

O sistema monetário internacional, para dar credibilidade às notas bancárias que circulavam em vez de moedas metálicas, assentou basicamente numa ideia simples: dentro de uma percentagem estabelecida por cada Estado, a nota bancária podia ser trocada por ouro, que estava arrecadado no banco central desse Estado (houve situações e períodos de excepção que, para não complicar a explicação, deixo de lado propositadamente). Este sistema funcionou entre 1870 e 1914, ano em que, consequência da guerra, foi abandonado, porque a libra-ouro da Grã-Bretanha, grande potência hegemónica mundial, deixou de ser referência para as economias mundiais e para o sistema financeiro internacional. Mas, como resultado da vitória dos EUA, na 2.ª Guerra Mundial, foi refeito, em 1944 (Acordos de Bretton Woods), mas, agora com o dólar-ouro como moeda de referência. Tudo se manteve estável até 1971, ano em que, unilateralmente, os EUA determinaram que deixava de haver cobertura ouro para os dólares em circulação.

Não havendo uma moeda de referência internacional (pode dizer-se que há um cabaz constituído pelo dólar, o mais vulgar, a libra e o iene) o que é que segura a circulação fiduciária de cada Estado, poder-se-á perguntar. A resposta é óbvia: o ouro existente como reserva nos bancos centrais e, acima de tudo, a economia do Estado em análise (onde nada se produz e as reservas em ouro são exíguas, o papel-moeda nada vale no plano internacional).

 

Mas, nos EUA, os governos não costumam, como o nosso povo diz, “dar ponto sem nó” e, por isso, ao abandonarem o padrão ouro impuseram aos Estados produtores de petróleo (OPEP) a obrigação de aceitarem somente dólares pela venda do crude. Nasceu assim o petrodólar. Mas esta imposição foi acompanhada de uma oferta à Arábia Saudita: fornecimento imediato de armamento moderno e de defesa sempre que necessário.

Deste modo, os países produtores de petróleo, porque têm excesso de dólares têm de impor aos seus fornecedores a aceitação dessa moeda como forma de pagamento; por outro lado, os EUA podem comprar petróleo e tudo o que necessitam, com exclusão de armamento, que detém e querem manter a maior indústria do mundo, sem terem de produzir nada, para além de bens alimentares, porque, no mundo, a sua moeda se tornou a única aceite em todos os negócios.

O efeito desta política financeira tem um reflexo extraordinário na economia dos EUA, pois, não tendo necessidade de concorrer nos mercados internacionais com os seus produtos ‒ que quase não produz ‒ equilibra um alto padrão de vida interno tal como se fizesse um imenso esforço produtor (queres os meus produtos, então paga-me na minha moeda, porque eu pago-te o que te compro, também, nessa moeda).

 

Claro que, quando um Estado produtor de petróleo quer fugir a este abraço, Washington tem de dar uma resposta que seja exemplar. Isso aconteceu no Iraque, na Líbia e na Venezuela e compreende-se que assim seja, pois a desvalorização do dólar, atirando-o para segunda, terceira ou décima moeda com importância no mundo, reflecte-se, de imediato, na economia interna do país, empobrecendo-o e gerando desemprego e alto custo de vida.

Quando a União Europeia lançou o euro como moeda forte com circulação paritária em dezassete Estados europeus, alguns dos quais com excelentes economias, os EUA sentiram nessa nova atitude uma forma de rivalidade, na medida em que outros países poderiam vir a optar por fazer comércio usando a nova moeda em vez do velho dólar. Curiosamente, o Reino Unido, que entrou na CEE em 1973, não aderiu ao euro e optou, até, por abandonar a EU, mantendo sempre uma estreita ligação com os EUA, funcionou como ponta de lança de Washington em decisões fundamentais para o outro lado do Atlântico. Também é compreensível a sua actuação: Londres tem ainda o domínio sobre pontos estratégicos no mundo, sejam de natureza económica sejam de natureza militar. A aliança EUA-Reino Unido é mais natural do que a deste com o continente europeu, porque Londres ainda comanda uma boa parte do poder naval, até porque é uma potência marítima, e interessa-lhe manter, para bem da sua economia, esse estatuto ao invés de se ligar a uma potência continental, como tem tendência a ser a União Europeia.

 

Todos estes aspectos ‒ e outros ‒ se interligam para que os EUA vejam na UE uma potência concorrente sobre quem não podem declarar qualquer forma de conflito, mas que também não podem deixar crescer fora das suas linhas estratégicas, obrigando-a a formas de subordinação imediatamente visíveis ou, mais perigosamente, sub-reptícias.

A grande pergunta que a actual crise militar no Leste europeu levanta é a de se saber se o eixo Paris-Berlim é capaz de definir uma política uniforme perante o desafio dos EUA ou, contrariamente, se dividem, porque, mais tarde ou mais cedo, tem de se estabelecer uma política estrangeira comum, uma estratégia comum e uma defesa autónoma e comum, pondo de lado a esperança do chapéu-de-chuva americano, na medida em que, para os governos dos EUA, a defesa da Europa só lhe interessa se isso contribuir para o bem-estar interno americano. E não se pense que esta análise resulta de qualquer animosidade pessoal, mas tão-só de uma observação fria e desapaixonada das relações internacionais.

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