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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.10.22

O Ocidente e o Oriente


Luís Alves de Fraga

 

Há um ou dois dias, chegou-me à mão um longo e-mail da autoria do meu amigo e camarada Carlos Matos Gomes, no qual estabelecia a semelhança dos pensamentos de Napoleão e de Putin, sobre a guerra, o Ocidente e o Oriente.

Curiosamente, eu já havia escrito, embora noutra perspectiva, sobre o Ocidente e o Oriente, em apontamento já com algum tempo. Tenho repetido vezes sem conta (passe o exagero) que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia é menos do que um conflito entre dois Estados independentes e soberanos, porque, acima de tudo, é uma guerra civil onde, de um lado, combatem uns tidos, por nós, como maus e outros tidos como bons. E não é nada disso. Eles são em quase tudo semelhantes, porque a raiz cultural que os separa é a mesma que separa um catalão de um castelhano ou um flamengo de um valão ou, até um inglês de um escocês. É isto que não convém aos americanos perceber, porque destas coisas eles percebem bastante menos do que os europeus.

 

O Ocidente de Putin não é a Europa; é a “cultura” americana, com todas as entorses que lhe advém de ser um Estado muito “novo” e resultante de uma miscelânea cultural que inventou, para sobreviver e se identificar, uma “Pátria”.

O meu tio José, açoriano, homem feito e pai de filhos, quando se naturalizou americano e jurou a bandeira das estrelas e das listas, chorou perante o juiz, que lhe perguntou o motivo do pranto ao que explicou que ele já havia jurado a sua bandeira, que era a de Portugal. Perante esta confissão a resposta do magistrado foi bastante curiosa: «É de gente assim que nós precisamos nos “Stats”». Gente assim, com consciência de uma “traição”, acrescento eu, porque está a fazer uma opção ciente.

 

Putin tem, também ele, consciência de que a Rússia “que ele quer que exista” é um mistura de culturas difíceis de se identificarem umas com as outras e que a única forma de se entenderem é a de criarem uma ficção: a Rússia. Uma Rússia que tem de passar por uma personalidade unificadora: foi o czar, o PCUS, Estaline e, agora, ele. Não é uma questão imperialista que está em jogo: é, acima de tudo, uma questão de unidade. Uma unidade que, por força do desaparecimento da URSS, perdeu uma bandeira e teve de recuperar a outra, a antiga, a do regime que apelava ao amor pela “Mãe Rússia” e que via no czar o “papá” de todos os russos, desde a Sibéria até à fronteira Oeste.

 

Tudo isto não o quer compreender a Europa, por conveniência, mas perceberam os alemães quando se propuseram a fazer a integração possível da Rússia no comércio europeu. Perceberam porque, também eles “nasceram” como Alemanha há cento e poucos anos, sendo que tiveram de “inventar” uma pátria através de três guerras que caldeou o sangue de todos eles, em 1870, em 1914-1918 e 1939-1945, donde saíram derrotados mas carentes de manter o orgulho na pátria unida pela Prússia e a vontade de um imperador, Guilherme II.

Mas isto é excessivo para a inteligência dos americanos, porque não são capazes de perceber que a pátria deles só nasceu, realmente, com Lincoln e a Guerra Civil, quando os Estados sulistas saíram derrotados ou, sendo mais radical ainda, quando Luther King ganhou a sua “batalha” da igualização dos negros aos brancos.

 

É ao confronto “deste Ocidente” com o “Oriente de Putin” que o Presidente russo se quer referi quando demoniza a cultura “do lado de cá”. Mas não exclui a cultura europeia (haverá tal figura antropológica?), porque esta se rendeu, depois de 1945, aos americanos da pastilha elástica, dos cigarros Lucky Strike e do sabonete Lifebuoy. Rendeu-se na Itália, na Alemanha ocidental, na Bélgica, na Holanda e, de certa maneira, na França. Esta rendição passou, depois, pela música, pelo cinema, pela língua e por uma série de hábitos que até banalizaram o simples OK como forma de concordância, mas, mais grave ainda, banalizaram a entrega da defesa de uma Europa cheia de identidade própria à OTAN, mais uma invenção dos EUA.

 

A Europa não está “acabada”, porque não tem matérias-primas para concorrer no mercado global; está “acabada”, porque se despersonalizou na sua diversidade cultural. E a esse facto não é insensível o Presidente russo.

Este é o momento certo para alcançar um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia, mas, é também, o momento certo para a Europa se repensar e a verdade é que os líderes europeus (serão mesmo líderes de alguém ou de alguma coisa?) não me parecem dispostos a fazê-lo, desligando-se dos medos do passado, ou será que os “tecnopolíticos” de Bruxelas estão a defender as suas cadeiras com a mesma força de que acusam Putin.

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