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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

25.01.23

O Largo da Graça


Luís Alves de Fraga

 

Há muitos anos, quando eu era garoto, quem enfiasse pela Rua Damasceno Monteiro (Presidente da Câmara de Lisboa de 1854 a 1858), no seguimento da Rua Maria da Fonte, no Bairro Andrade, chegado ao topo, não tinha saída para o Largo da Graça. Dois prédio truncavam-na, obrigando a descer para o Largo das Olarias, na Mouraria, ou virando, em sentido contrário, para subir até ao jardim e miradouro da Senhora do Monte ou, finalmente, entrando na Travessa do Monte que desembocava na Rua da Graça, quase em frente da Rua do Sol à Graça, e era por aí que se conseguia alcançar o Largo, virando à direita.

 

Alguns “jovens” da minha idade recordam-se dos dois prédios que tapavam a saída da Damasceno Monteiro para o Largo, mas, desses, poucos serão os que lembram do que caracterizava um desses prédios… A memória e a curiosidade infantis pregam-nos partidas: a uns, dá-lhes para se recordarem de pessoas e cenas e, a outros, para se lembrarem de pormenores. Eu sou mais dos segundos!

Lembram-se os mais velhos de uma das únicas farmácias que, nos anos de 1940, faliu, em Lisboa? Pois é, foi a Pessoa, que existia na Travessa do Monte, quase em frente a uma casa de venda de cafés!

Mas, voltando aos prédios do Largo da Graça, alguns marcam pelo seu tipicismo. Um, lá ao fundo, quase junto da cabine do expedidor dos eléctricos, quando se está de frente para o quartel dos bombeiros, é dos mais altos e, simultaneamente, mais estreitos da velha Lisboa. Distingue-se por ser coberto de azulejos. Uma preciosidade.

O Largo da Graça era um mundo que já o escritor José Rodrigues Miguéis (1901-1980), bastante mais velho do que eu (podia ser meu pai) descrevia o seu barbeiro naquela artéria de Lisboa com um realismo que nos é fácil imaginá-lo.

 

Ali começavam e acabavam duas carreiras de carros eléctricos: a da Graça circulação, que dava a volta pela Rua das Escolas Gerais, descia à Sé, Rua da Conceição virava à Rua da Prata, vinha à Praça da Figueira, Rua da Palma, Anjos, Bairro Andrade, Angelina Vidal e chegava ao ponto de partida, e outra que, fazendo o mesmo percurso até à Rua da Conceição, subia a Calçada de S. Francisco, passava pelo Chiado, descia a Calçado do Combro e, correndo perto da Assembleia Nacional (hoje da República), subia a Calçada da Estrela e retornava, invertendo a marcha até à Graça. Qualquer das duas linhas era bastante frequentada, embora, da Graça se chegasse a pé, rapidamente ao Largo Martin Moniz. O contrário era mais difícil, por ser tudo a subir.

 

Pois, mas ainda não falei do pormenor dos dois prédios que impediam a Rua Damasceno Monteiro de chegar ao Largo da Graça.

É simples. Eu era um puto que gostava de meter o nariz no átrio do Royal Cine, para ver os “cartazes” (fotografias dos filmes que estavam em exibição) … (podia, no mesmo dia, passar pela sala de espectáculos, que duas vezes ia ver as fotografias expostas). Coisas que alimentavam a minha curiosidade e imaginação.

Pois bem, num dos prédios, que tinha um “hall” de entrada amplo, trabalhava, no rés-do-chão, um fotógrafo que, aproveitando a espaçosa entrada no edifício, tinha expostas, em vitrines fechadas, as melhores fotografias que ele julgava ter feito e que variavam de tempos a tempos. Claro, depois do átrio do cinema, o meu melhor espectáculo, era ir coscuvilhar as fotografias, escolhendo, de mim para mim, as caras e poses das miúdas mais giras que ele mostrava para exibir as suas artes. Nunca lá tirei uma fotografia, mas vi todas as que o fotógrafo apresentava.

 

Quando derrubaram os prédios, senti a falta da exposição, exactamente da mesma maneira que senti quando o Royal Cine foi vendido para dele fazerem ‒ crime de lesa traição à cultura de um bairro de Lisboa ‒ um supermercado. Meus Deus, um supermercado onde antes estava uma sala de cinema com madeiras exóticas e pura arte arquitectónica! Já ninguém sabia que foi ali que se exibiu o primeiro filme sonoro em Portugal!

 

O meu Largo da Graça, agora não é meu, é de gente que abastarda o que teve origens legítimas e verdadeiras.

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