O discurso de Francisco
Enquanto Chefe de Estado, o Papa Francisco, discursou no Centro Cultural de Belém para uma seleccionada audiência e para o país inteiro através das televisões. Naturalmente, é um discurso lido pelo Papa, mas não escrito por ele o que não lhe retira valor, pois, se o leu é porque concordou com o seu conteúdo.
Ainda não li o discurso, mas estive atento e dele extraí, pelo menos, duas lições: uma, de natureza geoestratégica, outra, de natureza ecuménica. Vou tentar resumi-las em poucas palavras para não vos fatigar.
Quando o Papa recorda os fins traçados pelos pais fundadores da “Europa” ‒ note-se que, se ouvi com atenção, ele não se referiu nem à União Europeia nem à CEE ‒ dá-nos, com precisão, a finalidade básica dessa “fundação”: a construção da paz. Ora, se se refere à paz é porque estamos a viver um clima de guerra no nosso continente e traçou para os europeus uma rota: a da conquista da paz, pondo de lado a tecnologia dos armamentos que se consomem e nada deixam para além da destruição. Francisco foi claro nas suas afirmações, porque estava em Lisboa, “onde a terra acaba e o mar começa”: não falou para o mundo; falou para a Europa e para o papel que Portugal pode desempenhar nela, pois tem nela voz activa.
Adivinho a pergunta: «onde está essa mensagem geoestratégica?» É fácil, muito fácil: cabe à Europa traçar uma estratégia de paz opondo-se aos grande interessados nas indústrias de guerra, ou seja, usando palavras mais simples e expressões mais directas: a Europa não pode nem deve correr atrás das decisões da NATO que correspondem às decisões dos EUA: a Europa tem de ter uma conduta de tamponamento bélico frente a um mundo que se constrói para fazer guerras.
O lado ecuménico do discurso do Papa Francisco resulta, na minha análise, no facto de citar Fernando Pessoa, Camões, César de Oliveira, o quase esquecido autor da bem conhecida canção da revista portuguesa «Cheira bem, Cheira a Lisboa», quando nos recorda que «Lisboa tem cheiros de flores e de mar», Sofia de Melo Breyner e, mais ainda, cita José Saramago um indefectível comunista que flagelou, algumas vezes, o clero católico, mas deixou obra sobre a vida dos pobres e do povo português.
É esta a dimensão de Francisco, que rebenta com tradições bafientas da Igreja de Roma, pois, para ele, pela certa, Saramago foi perdoado pelo Deus de misericórdia e bondade em que ele acredita.
São estas as missões e são estes os desafios que o Papa, talvez inspirado pela palavra de um poeta e de um teólogo, nos deixa enquanto Chefe de Estado e Chefe de uma Igreja que sobrevive há dois mil e vinte e três anos.