O discurso
Por norma, sou prudente e moderado nas análises políticas que faço e torno públicas. Eis a razão para não me ter pronunciado, logo a correr, sobre o discurso de João Miguel Tavares, feito no dia 10 de Junho.
Comecemos pela nomeação.
O Presidente da República escolheu alguém sobre quem recaíam “suspeitas” da esquerda por se tratar de um jornalista com posições conotadas com a direita. Isto já o colocava na “rampa inclinada” da apreciação.
O conteúdo.
Li, com cautela, o discurso e, em uma primeira apreciação, não lhe achei “pecado” notável; é emotivo, tenta gerar um clima de identidade com toda a gente, é crítico com os políticos – estabelece as distâncias comummente criadas pelos cidadãos vulgares quando falam de quem nos governa ou está dentro da esfera dos poderes do Estado –; tenta apelar para um “caminho” comum; condena a corrupção; fala da interioridade; refere os desejos vulgares de qualquer pai; traça de maneira tosca as diferenças estabelecidas pelo rodar dos tempos; refere esperanças que andam um pouco na boca de toda a gente; enfim, é o discurso da trivialidade. É o discurso do “homem da rua”; não é o discurso do intelectual, seja sociólogo, historiador ou filósofo.
As críticas
Li críticas e ouvi-as. Das escritas, realcei duas ou três de gente que me merece crédito; das ouvidas, tomei boa nota do que se disse na televisão, no tal programa que era a “Quadratura do Círculo”. Aqui geraram-se-me fortes dúvidas. Explico.
O João Soares – que não é parvo e tem posicionamentos correctos no entendimento com a restante esquerda – fez uma leitura sem preconceitos nem juízos de exagerada condenação; o José Pacheco Pereira – um crítico e intelectual que admiro – fez uma leitura rebuscada, mas assente em bons princípios do que é a enviesada política praticada por alguns dos nossos mais destacados estadistas. Ele admite que a escolha de João Miguel Tavares foi uma “jogada” do Presidente e que todo o discurso “cheira” a “bafio” de um passado com mais de quarenta e cinco anos; um discurso a desligar os políticos dos eleitores e a apontar para um rumo, quando a democracia não tem rumo, porque se constrói momento a momento.
A minha posição.
Estabelecendo o cômputo de como interpretei o discurso, das críticas lidas e ouvidas, sinto-me tentado a admitir que houve, realmente, “manha” na escolha do orador, mas que este gorou completamente as expectativas do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, pois não teve a arte de fazer passar mensagem nenhuma, por muito subliminar que ela fosse. A única crítica válida, para mim, é a que se faz quanto à escolha do jovem orador, porque tudo o que foi dito sobre o discurso é fruto das distorções ditadas pelas posições do ou dos críticos. Faltou “golpe de asa” a João Miguel Tavares, voou rasteiro e pelo meio do diz-se diz-se vulgar; não há, de facto, mensagem nenhuma nas suas palavras, porque só há vulgaridades incapazes de criar uma plataforma donde a direita se possa lançar ou construir uma rampa para novas “aventuras”.