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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

04.01.23

O destino marcado


Luís Alves de Fraga

 

Há um fado da Hermínia Silva que fala das linhas traçadas na palma da mão e de destino. Nem sempre concordo com essas coisas de pseudo “bruxaria”, mas, às vezes, penso, como dizem os “nuestros hermanos”, “que las hay, las hay”!

 

Dou-me como exemplo nesta coisa de destino.

Das janelas da minha casa, ou seja, da casa dos meus pais, via-se perfeitamente o campo hípico da, então, Escola do Exército, e os cadetes a fazerem exercícios de obstáculos. Fiquei, desde criança, fascinado com aquele campo e com aqueles treinos militares. Quando eu, em jovenzinho, passava pela Escola do Exército a caminho do Campo dos Mártires da Pátria, junto do edifício chamado Paço da Rainha e dava com os portões abertos, tinha de entrar para ver os painéis de azulejo, representando acções de guerra, em França e em África. Fascinavam-me aquelas imagens. Nascido no início da 2.ª Guerra Mundial, cresci a ver filmes de guerra e fascinavam-me, também, as acções de combate em terra, no ar e no mar. Resumindo, cheguei aos doze anos e senti que o meu destino era seguir a vida militar. Tudo nela me atraía, desde os confrontos até às paradas, aos desfiles, à disciplina, ao rigor. Não tendo entrado nos Pupilos do Exército aos doze anos, concorri com treze e fiquei.

 

Muitas vezes me queixei do estudo e do regime de aulas, mas jamais do sistema militar de ensino. Quando chegou o momento em que pude concorrer às Academias, lá fui, em primeiro lugar para a Escola Naval, onde não fui admitido (história complicada, que já contei) e, logo depois, para a Academia Militar. Razões várias levaram-me a, findo o segundo ano do curso de Administração Militar, optar pela Administração Aeronáutica.

Estava na Base Aérea da Ota, logo no meu primeiro ano de oficial e eis que sou convidado a ensinar Matemática aos recrutas destinados a cabos especialistas e, foi nesse momento que percebi como me sentia bem numa sala de aula a transmitir conhecimentos. A linha traçada na palma da minha mão estava a afirmar-se. Daí para a frente, sempre que tive oportunidade aproveitei colégios para ensinar História e Geografia ou só uma delas.

A meio da minha carreira militar o apelo pelo ensino foi de tal ordem que estive disposto a abandoná-la, mas, uma vez mais o destino, proporcionou-me a possibilidade de ficar a leccionar (sem que para tal tivesse feito qualquer diligência) no Instituto de Altos Estudos da Força Aérea; tinha colocação garantida por cinco anos. Desisti de passar à reserva e fiquei na função lectiva. Ao cabo de quatro anos, sabendo da falta de um professor de História na Academia da Força Aérea, com o apoio de um camarada, consegui a colocação naquele estabelecimento de ensino. Eram as linhas da minha mão que me estavam a favorecer? Era o meu destino? A verdade é que me sentia realizado. Duplamente realizado: militar e professor.

 

Depois de ter concluído o mestrado em Estratégia, por mero acaso, no final de uma exposição que fiz num colóquio de História Militar, fui abordado pelo Professor Doutor Justino Mendes de Almeida, Magnífico Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), convidando-me para leccionar História da Cultura Portuguesa no curso de Relações Internacionais, naquele estabelecimento de ensino superior. Claro que não hesitei! As portas do ensino escancaravam-se de par em par para eu continuar mesmo para além da minha passagem à situação de reserva. E fiquei vinte e cinco anos a dar aulas na UAL, até atingir a idade de setenta e seis anos.

Fiz tudo o que poderia fazer: doutoramento em História, ensinar cadeiras de diferentes áreas, orientar teses de mestrado e de doutoramento, fazer parte de júris de provas académicas, secretariar o Presidente do Conselho Científico, ser vogal do Conselho Pedagógico e, acima de tudo, dar aulas, expor os meus pontos de vista sobre as matérias que estudava e leccionava. Escrevi livros, apresentei comunicações em eventos académicos em Portugal e no estrangeiro, enfim, quando decidi que a carga horária que me ia ser exigida já se não compatibilizava com a minha idade, apresentei a minha demissão e um quarto de século depois abandonei, as salas de aulas. Voltei mais duas vezes, mas foi para fazer ciclos curtos de conferências sobre História do Direito Português.

 

Mas as linhas do meu destino ainda não estão acabadas e, por isso, como quem discursa no Speakers’ Corner, no Hyde Park, em Londres, eu uso as redes sociais e a Internet para continuar uma acção pedagógica sobre aquilo que julgo posso ensinar com alguma confiança.

Não me digam que não trazemos o destino marcado, tal como cantou a inesquecível fadista Hermínia Silva!