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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

15.09.22

O benefício da ditadura


Luís Alves de Fraga

 

As ditaduras trazem grandes inconvenientes para todos os que se interessam por política ou por reivindicar os seus direitos (ou aquilo que julgam ser os seus direitos, pois, neste regime, os direitos estão definidos superiormente), mas têm enormes vantagens para todos os outros, nomeadamente para aqueles que querem ser “formadores de opinião”.

É verdade. Creiam que é verdade e, para os que não se deixam convencer à primeira, vou tentar explicar.

 

Numa ditadura, fica definida, logo de início, a “verdade oficial”, ou seja, aquela que não pode nem deve ser contestada sob pena de graves sarilhos para os contestatários.

Estabelecida a “verdade oficial” os órgãos de comunicação social só têm de alinhar os seus discursos por ela. Àquela “verdade” obedecem todas as restantes. Cria-se uma pirâmide de “verdades” que começa na mais “verdadeira e intocável” e acaba na mais “vulgar” e, por vezes, susceptível de alguma “pequena correcção”. Assim, deste modo, os jornalistas não têm preocupações de espécie nenhuma quanto ao seu papel de formadores de opinião. A “opinião” já está formada, basta dar-lhe continuidade, basta propalá-la aos quatro ventos.

E acreditem os leitores mais jovens que é tal e qual assim, porque eu sou uma testemunha viva de como se fazia por cá no tempo do nosso fascismo. Os jornais tinham a sua clientela em função da maneira como davam as notícias e jamais por causa das notícias que davam. Assim, e para só referir os mais importantes diários publicados na capital, os matutinos “O Século” e “Diário de Notícias” caracterizavam-se porque, o primeiro, era mais conspícuo na forma de dar ênfase ao que era importante, procurando parecer mais “liberal”, e o segundo era mais tipo “a voz do dono” ‒ a concordância com o governo era total, mas sem sabujices (essas eram deixadas para jornais claramente enfeudados ao regime, como, por exemplo: o “Diário da Manhã”). Nos vespertinos havia mais “escolha”: o “Diário de Lisboa” fazia gala em ser o mais sério e “independente” de todos os jornais da tarde; o mais “rebelde” era, sem sombra de dúvida, o “República”; depois vinha o jornal que procurava os “escândalos” sociais publicáveis e que não contundiam com a “situação política”: o “Diário Popular”, que para ter maior saída, instruía os ardinas na forma de anunciar o jornal: «É o popular, é o popular. Traz o desastre, traz o desastre»; em concorrência com o “Diário de Lisboa”, mas, procurando aproximar-se de um meio-termo, com bom-senso, do “Diário Popular”, surgiu, nos últimos anos do regime, “A Capital”.

Todos diziam quase o mesmo, mas tinham “maneiras” diferentes de o fazer. Isto exigia habilidade, imaginação e muito trabalho do chefe de redacção de cada jornal para manter a linha e não deixar entregue ao livre arbítrio do repórter ou do jornalista a “importância” da notícia. Contudo, no essencial, era fácil fazer o jornal. Mais difícil era o labor do cronista, porque, para não fazer discursos laudatórios ‒ e havia quem se dedicasse só a esse modo de “formar opinião” ‒, tinha de saber dizer, nas entrelinhas, às vezes, usando um texto barroco, aquilo que os censores não sabia como cortar ou nem eram capazes de perceber o que se dizia.

 

Mas, saltemos para a democracia, para os regimes onde impera a liberdade de expressão. Deixemos os jornais, pois quase caíram em desuso, e atenhamo-nos nas estações de televisão, em especial nos telejornais e comentários subsequentes.

Antes do mais, em princípio, democracia e liberdade correspondem a uma economia liberal, o mesmo é dizer, capitalista. E ao dizer capitalista quero dizer concorrencial, que, por seu turno, equivale a afirmar “vale tudo” para alcançar objectivos.

Então, quando nos debruçamos sobre a informação televisiva, temos dois “vale tudo”: a concorrência entre estações de televisão para conquistar maiores audiências e todos os meios para convencer os telespectadores da “verdade política” (esta já não é a do regime, mas a dos interesses económicos a que está ligada a emissora) prosseguida pela redacção dos telejornais.

É aqui que começa a sofisticação do modo de informar, pois, pode esconder e nada dizer, pode distorcer a informação e pode propositadamente mentir. E isto é “democrático”, segundo o estatuto editorial da redacção. Se algum jornalista discordar já sabe que tem ao fundo do corredor uma porta por onde deve sair para não mais entrar.

Têm uma vida complicada os jornalistas quando exercem a actividade em regime democrático, não têm?

Mas há mais…

 

É que não basta informar de acordo com os interesses político-económicos dos accionistas da estação de televisão. A informação tem de convencer a audiência e, então, a “coisa” complica-se bastante mais, porque ao jornalista ‒ desde o simples repórter ao mais “virtuoso” comentador ‒ impõe-se “desfazer” as ideias do telespectador para as “refazer” de acordo com o modelo de “democracia” que, em “plena liberdade”, o telespectador deve ter.

Este mecanismo lembra-me Somerset Maugham e a forma como descreve a acção de um missionário que “inventa” o pecado de andar nu, numa das ilhas dos mares do sul quando, até à chegada do pastor, era completamente desconhecido tal conceito. As religiões “criam” condicionalismos mentais e comportamentais a que chamamos alienações. Em “democracia” e, por conseguinte, em “liberdade” os órgãos de comunicação social têm a função de nos alienar, contando os acontecimentos de modo a que seja “pecado” pensar ou agir de maneira diferente.

 

Eu, que vivi em ditadura e em democracia, posso testemunhar que é muito mais difícil escrever num regime onde a expressão do pensamento seja, supostamente, livre, do que em ditadura. A crítica social e a força da pressão da opinião dos outros valem pela perseguição da censura e pela repressão da polícia política, porque ser um perseguido político em ditadura é tomado como um acto heróico e estar em oposição à opinião social, em democracia, corresponde à ostracização, em certos meios.