O apertar do cerco
Greve da função pública. Estes funcionários do Estado têm todo o direito de fazer greve; podem e devem fazê-la. A questão que coloco é a da oportunidade.
Em Portugal tudo e todos parecem estar a “apertar” o Governo de modo a gerar na opinião pública a sensação de que há uma instabilidade política, há uma ingovernabilidade, há um desatino com a correspondente consequência de descarte do actual modelo de governação.
Vamos lá ponderar se estou a ver bem e a perceber melhor o que se passa.
Os partidos políticos de direita andam a estrebuchar, mas, realmente, não conseguem fazer a oposição necessária para levar o eleitorado a descrer da actual governação. Nem Rio nem Cristas têm credibilidade para retirar a António Costa e, em especial, a Centeno o mérito do equilíbrio orçamental e do “arranjo” da economia com o aumento de emprego verificado nestes anos. Claro, não falo de Santana Lopes nem noutras figuras “menores” do panorama nacional, exactamente por serem menores.
Face a esta impossibilidade de o sistema partidário gerar oposição, a aposta está a fazer-se através da instabilidade política a partir da actividade sindical orgânica e inorgânica acompanhada de desestabilização das instituições e organismos aparentemente consolidados (ADSE, CGD, Forças Armadas, ensino, universidades). Mas, o “jogo” parece estar a ser bem conduzido, pois reivindicar melhores condições salariais mobiliza as classes trabalhadoras envolvidas, gerando simpatias noutros grupos também carentes, ao mesmo tempo que neutraliza as centrais sindicais e “empurra” para os partidos de esquerda a responsabilidade pelos acontecimentos.
Chegamos ao ponto de percebermos que estamos à beira de um momento decisivo da nossa democracia, visto as soluções tidas como tradicionais não serem capazes de dar a resposta conveniente. A “porta” fica aberta para qualquer experiência, partindo de um qualquer líder que se assuma como “salvador da pátria”. O mais natural é que, saindo de uma situação inorgânica, este líder seja rapidamente absorvido pelos interesses financeiros, que nada podem perder no presente, pois vive-se um tempo de máximo consumo, mas, também, de máxima fuga a obrigações fiscais e, por isso, menor partilha de rendimentos com quem menos capacidades possui para sobreviver. Julgo que se gerará um ciclo vicioso de continua instabilidade capaz de conduzir a um sistema de ditadura implacável e escravizante.
O quadro que acabo de traçar, sendo pensado através da observação da situação nacional, parece-me passível de configurar um novo paradigma já em fase de desabrochar em alguns países de cultura e tradição ocidentais.
Será que me enleio numa teoria muito minha ou estarei a fazer uma leitura futurista que ainda não está bem definida nos contornos mentais dos analistas políticos comuns? O tempo responder-me-á.