Não perguntem ao Francisco
A imensa polémica que está a gerar o altar/palanque junto ao rio Tejo, bem como todos os outros locais onde o Papa Francisco se vai dirigir à multidão de jovens (acreditam na vinda de meio milhão, pois eu, por mero palpite, atiro-me para os trezentos e cinquenta mil e… vamos com sorte) só resulta desta nossa maneira de ser: guardar o planeamento para o último momento de modo a que tudo possa ser feito de improviso e com derrapagens financeiras. Se há um ano ou dois, se tivesse levado a cabo o concurso para adjudicação da obra, conhecendo-se o respectivo projecto e caderno de encargos, nada disto acontecia, pois a discussão tinha tempo para ser feita. Deste modo, ficamos todos encostados à parede e seja o que o improviso quiser que seja em matéria de concursos, de adjudicações e, acima de tudo, de custos, porque alguém vai ganhar muito e muito bem para dar como concluída a obra na data em que deve estar pronta. Tudo isto se paga! Mas, nós, que somos ricos, não olhamos a “ninharias”. Planeamento é para os alemães, americanos, franceses, suecos e outros povos mendigos.
Este é o grande traço negro da nossa democracia. Tudo isto tem manha desde o princípio ao fim, pois a aceitação do facto consumado, perante uma inevitabilidade, obriga à aceitação daquilo que alguém pensou no silêncio do seu gabinete. Se de hoje amanhã as companhias de aviação se recusassem a aterrar no aeroporto de Lisboa, a sua localização e construção decidiam-se em meses e em um ou dois anos tínhamos aeroporto pronto, com imensas derrapagens financeiras e “pequenos” defeitos de construção que se iriam atamancando durante os próximos trinta anos. Somos assim!
Mas voltemos ao palanque e à visita do Papa.
Compreendo que, à semelhança do que aconteceu aquando da Expo 98, se queira recuperar o aterro sanitário junto ao rio Trancão, pois, tal como diz o povo, com uma só paulada matam-se dois coelhos. Compreendo. Não compreendo é aquela obra faraónica do palanque que vai ficar ali para um dia ser (se algum dia houver) aproveitado nem sei bem para quê.
Está claro que o Papa Francisco está a par de todas estas discussões e discórdias, mas como é seu dever, não se quer nem se vai meter em assuntos domésticos dos portugueses. De certeza que compreende tudo isto que aqui deixo escrito, porque é um homem que vive no mundo e, para o melhor ou para o pior, é argentino, com uma imensa carga de latinismo na cultura. Este latinismo que nos faz ser assim, em certas alturas em maior grau e noutras em menor.
Francisco lembra-me uma história que se contava de S. Luís de Gonzaga que, estando de conversa, no recreio, com os seus companheiros, um deles perguntou o que fariam se soubessem que o mundo acabava daí a um minuto. Todos deram respostas pias e só Luís respondeu que continuaria a brincar, porque estava de alma tranquila. Ora, para Francisco, conhecendo-lhe os hábitos, bastar-lhe-ia um altarzinho e uma cadeira de onde pudesse falar aos jovens e celebrar para eles a missa que, para os católicos é o supremo dos milagres. Os jovens vê-lo-ão através dos grandes ecrãs de televisão colocados no recinto.
Francisco só quer estar com os jovens e que os jovens saibam que ele está com eles. A singeleza da sua maneira de ocupar o lugar de S. Pedro é tão grande que se impressionará perante a obra feita para quem, ao ser eleito Papa, somente pediu que rezassem por ele.
Portugueses, não se atrevam a perguntar a Francisco seja o que for sobre as obras que estão a fazer para o receber, porque se sujeitam a ouvir o que não querem e o que vai deixar magoados e tristes os honestos, e irritados todos quantos desejam ganhar o indevido com a vinda do Papa a Lisboa.