Médico por quinze minutos
Se Frederick Taylor, o pai da racionalização do trabalho voltasse à Terra e, estando doente, carecesse de ir a uma consulta num hospital particular português, ficaria espantado com a aplicação do seu sistema à profissão médica.
Realmente, seja neste ou naquele hospital privado, o princípio aplicado para marcação de consultas segue a ideia de que o clínico tem de ver, ouvir, observar, diagnosticar, prescrever e receitar em quinze minutos, como regra. Se esta falhar, é da conta do médico fazer mais horas sem remuneração extra. Taylor não imaginaria melhor. Isto é o que sei que se passa. Admito que possa haver exagero, pelo que agradeço que, se for o caso, me corrijam.
A prática da medicina privada, em hospitais que têm por finalidade dar lucro, é, conjuntamente criminosa sob dois aspectos: visa obter ganho à custa do sofrimento do paciente e liberta o Estado de uma das suas mais prementes obrigações. E não se diga que a ética clínica dos médicos põe um travão à falta de ética do mercado e do próprio Estado, pois, uma vez engrenado nesta máquina infernal, sendo uma peça da mesma, não há como travá-la a não ser pele exaustão do pessoal de saúde e auxiliar.
Repare-se que o SNS sabe perfeitamente bem que aqueles pacientes com um pouco mais de posses financeiras procuram as consultas nas unidades hospitalares privadas, porque têm seguros que subsidiam a rotação do sistema. Ou seja, está montado o esquema para que o Estado possa desleixar-se das suas obrigações ao mesmo tempo que os privados obtém lucros onde não os devia haver, porque as companhias seguradoras subsidiam a saúde privada, fechando-se num circulo o doente que, por seu turno, ao negociar a contratação laboral já prescinde de uma parte do seu salário em favor da obtenção de um seguro que, para os empregadores, é mais económico do que pagar vencimentos. Fora deste sistema absolutamente diabólico ficam aqueles que ou já não têm trabalho e, consequentemente, qualquer seguro, e os reformados por invalidez ou velhice.
Quando, em Portugal, os comunistas e o Bloco de Esquerda reclamam do governo medidas e reformas estruturais na saúde é porque, muito melhor e com mais dados do que eu, sabem até onde os governos podiam ir e até onde estão comprometidos com os interesses privados, que vão dos hospitais e clínicas particulares até às seguradoras e aos grandes empresários que substituem vencimentos por compensações, que cortam o poder de opção ao trabalhador de gastar o seu justo salário onde entender, para lhe dar benefícios muito mais baratos do que a adequação do pagamento do trabalho.
A todo este problema, acresce que a Ordem dos Médicos funciona como um verdadeiro lobby ou sindicato, por dois motivos: primeiro, mantendo o número de clínicos abaixo do necessário garante-lhes emprego e boa remuneração; segundo, permitindo que o médico tenha liberdade de opção num serviço que deveria ser altamente controlado pelo Estado, uma vez que dele depende a saúde pública, levando os especialistas (e talvez não só) a fugirem do interior do país e dos hospitais mais carenciados de certos ramos que são raros, porque pouco rentáveis nessas zonas, mas bem pagos nos grandes centros urbanos.
A luta por um SNS a funcionar perto da perfeição é uma luta contra sistemas rentáveis de exploração do trabalho em todos os sectores, sejam públicos ou privados.
Claro que a União Europeia jamais pode concordar com esse SNS perfeito ou próximo de o ser, porque o princípio económico que norteia Bruxelas é o liberal, o mesmo é dizer o do mercado da concorrência e não o tão apregoado bem-estar resultante do tal Estado Social que enche a boca de muitos políticos para esconder as maiores falcatruas que sob a sua capa se fazem.
Ideal, é que fossemos capazes de cortar este nó górdio da saúde pública e privada através da prática de uma política de honestidade quando se trata de garantir a melhor vida possível a quem sofre ou a melhor forma de morrer.