Marcelo e a praça pública
Já começou. Marcelo Rebelo de Sousa, após a aprovação de um decreto sobre o ingresso nos quadros do Ministério da Educação de uns milhares de professores, veio fazer críticas públicas à modéstia da solução encontrada pelo Governo, segundo diz o «Expresso curto» de hoje (reproduzo parte: «imbuído da sua nova faceta mais crítica das posições governamentais, apressou-se a explicar que também não foi ‘tido em conta’ na decisão final, abrindo assim mais uma fissura na relação com São Bento»).
O presidente da República parece estar a ser a voz da oposição. Não se julgue que se trata do cumprimento da promessa feita há dias. Não. Trata-se do começo de um acumular de dados que vão servir para derrubar a maioria e o Governo, numa dissolução da Assembleia da República, que encontre apoio na total insatisfação popular contra o partido socialista e contra António Costa.
Marcelo Rebelo de Sousa veio mostrar publicamente o que eu já tinha ouvido dizer centenas de vezes: é vingativo e adora intrigas (não me esqueço, alguns anos após o 25 de Abril, de ele ser acusado, na comunicação social, de «criador de factos políticos»; onde não existia nada, ele, como jornalista, «fazia acontecer» alguma coisa que punha a classe política a discutir e a opinião pública a tomar partido). Não foi só a sopa!
O presidente da República é um caso de estudo para os psicólogos, pois apresenta várias facetas comportamentais que são literalmente opostas entre si. Se a simpatia e a afabilidade não são «construídas», por conseguinte, fruto de uma personalidade cínica (julgo que não, pelo menos na grande maioria das vezes), com certas atitudes públicas percebemos quanto pode ser mesquinho e vulgar na antipatia.
Já aqui deixei dito, há anos, que Marcelo Rebelo de Sousa se deveria ter ficado pelo primeiro mandato, pois a fasquia da popularidade já estava tão alta que jamais alguém, no mesmo cargo, a poderia ultrapassar. Quis fazer o segundo mandato e está a degradar uma imagem que, tendo atingido o zénite, no meu entender, cairá à vertical, deixando à vista um presidente a quem ninguém vai querer colar-se.
Ele não tem o recato dos gabinetes onde se fala baixo, se olha de frente, onde se batuca com os dedos no tampo da secretária e se escolhem as palavras para definir posições e marcar terrenos. Não tem nada disso. Ele é o professor que diz o que pensa e lhe vem à cabeça na sala de aula onde se julga o mais iluminado de todos os seres presentes; o professor que «sacaneia» o aluno que o tenta encurralar com perguntas difíceis ou comprometedoras do seu saber; o professor que cumprimenta todos os alunos nos corredores, na esperança de ser considerado o mais «porreiro» dos mestres; o professor que, no meio dos seus pares, fala alto para dar nas vistas e o incensarem como o mais «seguro». Marcelo é tudo isto e mais comentador de todas as tricas, porque os professores, em especial os do ensino superior em Portugal e na nossa «melhor» tradição académica, são «sempre» os mais sabedores, os mais cultos, os mais bem informados, os menos contestados e os mais ouvidos dos homens, porque, no fundo, lá bem no fundo, têm um ego imenso só comparável ao dos grandes actores que se alimentam das palmas da assistência. Marcelo fez deste país uma grande sala de aula e de todos nós (governantes incluídos) os alunos atentos que lhe alimentam a vaidade do seu imenso saber e da sua inultrapassável sagacidade.
Marcelo vai acabar mal o segundo mandato, mas, pior, é que pode bem arrastar consigo o país já que, entre nós, não existe uma cultura política capaz de separar o trigo do joio e de escolher os mais capazes para nos governarem levando-nos a portos seguros.
Queira Deus que eu me engane.