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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

06.09.22

Macron, a Europa e a guerra


Luís Alves de Fraga

 

O Presidente da França, por razões que nos são desconhecidas ‒ serão mesmo? ‒ resolveu dizer um retundo não à proposta do chanceler alemão e do Primeiro-ministro de Espanha, à passagem de um gasoduto, ligando a Península Ibérica à França e à Alemanha. Afirmou que só com factos bem concretos é que reconsideraria a hipótese.

Estranha resposta, num tempo em que se espera o máximo de cooperação! Contudo, será assim tão estranha esta resposta? Vamos analisar com algum pormenor.

 

No jornal El País, onde li com mais minúcia a notícia, dizia-se que Macron havia parafraseado o general De Gaulle e, na minha opinião, não o fez por mero acaso. Explico.

É sabido que Macron tentou, por várias vezes, ser o intermediário entre a Ucrânia e a Rússia, mantendo conversações com Putin. Não se tratava, quase pela certa, de uma iniciativa combinada nem na União Europeia, nem na OTAN; era uma iniciativa pessoal que, se obtivesse resultado, colocava a França no centro da decisão estratégica da UE e, por outro lado, demarcava Bruxelas da política dos EUA.

Como se vê, era, percorrendo outros caminhos, o sonho de De Gaulle: desligar a França de uma OTAN demasiado americana e excessivamente britânica, dando a Paris uma posição bastante central na política europeia. Foi isto mesmo que levou o general De Gaulle a fazer do seu país uma potência nuclear com capacidade defensiva autónoma em caso de ataque da URSS.

Macron, parece, idealiza um delineamento muito semelhante, agora que o Reino Unido saiu da União e a Alemanha está refém da energia russa. Uma Europa não americanizada, mas capaz de se entender com a Rússia e, talvez, desligar-se da dependência estratégica e militar dos EUA, seria um sonho perfeito para, mantendo boas relações diplomáticas com a Rússia, desamarrar-se dos compromissos da guerra, gerando uma zona de neutralidade. Para que este caminho possa ser traçado, Paris tem de vergar Berlim, desfazendo a ideia de que a Alemanha é o motor político da Europa, dando à França o lugar da locomotiva da União. Para tal, a Alemanha tem de passar frio neste Inverno e nos futuros, enquanto a França lança e fundamenta os alicerces da sua liderança na União Europeia.

É deste modo que, pessoalmente, entendo a recusa da passagem do gás ibérico por França para ir ajudar a Alemanha.

 

Pensarão alguns dos meus leitores que se trata de uma rocambolesca forma de conspirar contra Macron. Contudo, para mim, funciona como uma hipótese para analisar e dar sentido à posição do Presidente francês. Nem ele me confessou os seus planos nem eu recebo informações privilegiadas de qualquer tipo de agência, mas, em Ciências Sociais, a metodologia adoptada na pesquisa começa sempre pela colocação de um ponto de partida com alguma verosimilhança e este tem-no pelos indícios que acima referi, em especial pela invocação do homem que mais lutou por dar voz à França nas relações internacionais durante e após a 2.ª Guerra Mundial.

No interesse da França, o eixo Paris-Berlim pode estar em fase de quebra, dada a forma como o chanceler germânico cedeu à vontade de Washington e, se bem nos recordamos todos, Macron fez orelhas moucas às críticas internacionais e foi dialogar com Putin. Esta atitude é, de certa forma, uma afronta à política da Casa Branca, mas, ao mesmo tempo, uma maneira de a França se sobrepor à Alemanha; uma Alemanha que, no passado, não teve receio de fazer depender toda a sua energia dos abastecimentos russos. Ora, para ser consequente, Berlim deveria ter sido capaz de, logo no início do adensar das nuvens entre Moscovo e os EUA por causa da Ucrânia, demarcar-se do imperialismo norte americano e, aí, teria colhido o apoio de Paris. Não o fez e só Deus sabe o motivo… Deus, Biden e Macron, se calhar! Porque, bem no fundo de toda a problemática, Moscovo não devia estar à espera da submissão tão imediata de Berlim a Washington, acompanhando as sanções, que, mais tarde ou mais cedo, seriam impostas à Rússia.

Na história das relações entre a Rússia e a Alemanha (mesmo quando ainda esta era só Prússia), nos momentos de conflito na Europa, houve uma espécie de equilíbrio entre o amor e o ódio que ora colocou os dois Estados de braço dado, ora em oposição. E não podemos esquecer que a revolução de Outubro de 1917 ficou a dever grande parte da vitória aos serviços secretos alemães (que desejavam uma trégua a Oriente para poderem concentrar forças na frente ocidental). Putin sabe muito bem isso mesmo, tal como sabe que a maior mortandade feita durante a 2.ª Guerra Mundial, na Rússia foi levada a cabo pelas tropas nazis.

Assim, todos estes complexos sistemas de aproximação e afastamento entre os povos geram obrigações que, aos olhos do Presidente russo, impunham, agora, uma atitude bem diferente por parte de Berlim. Macron sabe tudo isto e jogou com esses trunfos em Moscovo, mas não foi atendido, daí que, se na primeira rodada deste póquer internacional, não conseguiu vantagem, talvez, agora, na segunda rodada, esteja a preparar a mão para assumir a liderança da política externa da União Europeia em memória do general De Gaulle e seguindo-lhe as pegadas.