Lar de Terceira Idade ou Cela Prisional?
A recente notícia de num lar de terceira idade, na Lourinhã, as condições de vida serem altamente condenáveis, não só do ponto de vista sanitário mas, acima de tudo, moral, leva a interrogar-me sobre o negócio dos chamados “lares”, que, entre nós, salvo raras excepções, deveriam ter a designação de “casas para velhos”, pois a sua finalidade é essa mesma: depositar os velhos, tirando-os dos seus lares de família.
Mas será que a culpa é das famílias, é dos negociantes, é da Segurança Social ou vai muito mais longe?
É evidente que as entidades mencionadas são peças de uma engrenagem muito mais complexa e que só começou a existir de forma organizada no século XIX e explosiva no século XX, no chamado mundo ocidental (entenda-se Europa Ocidental, Estados Unidos da América e Canadá). Em Portugal, ganhou expressão significativa já só nos últimos cinquenta ou sessenta anos.
A necessidade de lares para terceira idade é uma consequência directa da necessidade ou desejo da mulher “dona de casa” se transformar em “mulher empregada”. Com efeito quando a mãe de família se ocupava da lida da casa, da primeira educação dos filhos e do apoio aos velhos, fossem pais ou sogros, os lares para idosos não tinham razão de ser; quando muito existiam os asilos para velhos sem família e desvalidos por completo, incapazes de pagar a quem deles cuidasse. Essa foi a realidade anterior ao apogeu da Revolução Industrial e da total implantação da sociedade capitalista. Os lares ou as, eufemisticamente, chamadas de Casas Repouso resultam desta extensão do trabalho fora de casa para as mulheres que, no passado, dependiam em exclusivo dos rendimentos do marido.
A sociedade capitalista gerou novas formas de cultura que, independentemente da análise crítica que deve estar implícita, levaram à alteração do modelo assistencial dos velhos, estabelecendo um paradigma que obriga o Estado a ter de tomar posição naquilo que era, no passado, do âmbito familiar.
Países houve, em especial os social-democráticos da Europa do Norte, onde a assistência aos idosos foi tida como exemplar, em estabelecimentos dignos dos maiores encómios, dada a comodidade e dignidade do fim de vida de quem contribuiu para a sociedade das formas mais diferentes. Em Portugal, ficámos muito distantes de tais modelos, entregando, quase em exclusivo, ao sector privado a exploração desse campo assistencial, facto bem demonstrativo da baixa consideração em que se têm os trabalhadores em geral, pois, ao chegarem ao começo do fim da vida, têm de ser descartados pela família, internando-os em “depósitos” de acordo com os rendimentos do agregado familiar, os quais ou são ilegais ou legalizados mas sem inspecção e exigência rigorosas.
Em quase todos os lares, invocando razões diversas e muitas vezes discutíveis, há horários para as visitas dos familiares, impedindo os internados em receberem o carinho ou o mimo daqueles de quem estão longe. São poucas ou nenhumas as actividades lúdicas para os velhos, quase não existem actividades ocupacionais, levando aqueles que já dependem da ajuda de terceiros a conviverem silenciosamente com a sua solidão, tornando os chamados “lares” em verdadeiras penitenciarias de uma vida vivida para o trabalho e para a família. Ali ficam, para um canto esconso e escuro da sociedade em vez de ocuparem os lugares mais destacados pelo muito que fizeram em prol de todos: família, empregadores, Estado e planeta Terra em geral.
O que se passou no lar da Lourinhã ocorre todos os dias na maioria dos estabelecimentos similares deste país e a culpa não é dos donos nem da sua ganância ou falta de zelo (claro que são os primeiros responsáveis), mas sim do Estado que não fiscaliza em constância estes estes lugares onde se “apodrece” mais rapidamente para ser despachado para a morgue e daí para o cemitério. A culpa é do Estado que deveria assumir para si a obrigação de acolher os velhos quando deixam de ser produtivos e se transformam no peso para o agregado familiar.
Um Estado, um povo e uma sociedade que não respeita os seus velhos não se respeita de forma nenhuma.