Insensível?
Tenho oitenta e dois anos. O meu rosto não é redondo nem bochechudo. Não tenho cara de avô. Não gosto de estar no meio de multidões. Gosto muito de falar expondo as minhas ideias, mas também gosto de ouvir aqueles que têm alguma coisa a ensinar-me. Gosto de conversar com jovens com idades superiores a doze anos. Adoro ouvir explicações sobre as novas tecnologias que já existem e sobre as que nos esperam com o passar dos anos. Não tenho medo de viver, contudo, com o avançar da idade, tenho medo da morte, porque amo a vida. Acredito que há um Deus universal, que não é um carrasco nem um juiz, é um Ente feito de compreensão e de amor pela obra que criou; não é católico, nem é evangélico, nem se chama Alá, nem Jeová, nem Buda, nem está preso por nenhuma religião. É livre como só um Deus pode ser.
Tenho visto as várias estações de televisão e olhado de todas as maneiras o Papa Francisco. É mais velho do que eu quatro anos (nestas idades é muito tempo). Tem uma cara de avô, um avô como todos desejávamos tido, gosta de dizer piadas e de sorrir, irradia bondade, sujeita-se a um horário que não sei se eu seria capaz de seguir. Aceita a segurança que lhe impõem, mas, de vez em quando, “fura” as “ordens” e pára para abençoar uma criança ou dar-lhe um beijo. Estende a mão para tocar nos que o estão a ver passar. Fala-nos de uma “outra” Igreja bem diferente daquela onde cresci quando era menino, daquela onde os pecados eram escalonados desde os mais graves aos menos importantes, daquela onde havia um inferno e, até um purgatório, daquela que condenava quem era “diferente”, que dava às mulheres um lugar secundário, porque as únicas mulheres cimeiras eram a mãe de Jesus e todas as que haviam sido santificadas, uma Igreja daquela em que se beijava a mão do sacerdote em vez de o cumprimentar. Diferente daquela em que se orava em latim e os ignorantes de tal idioma ficavam estáticos, cumprindo um dever porque lhes era imposto sem mais nem menos, sem perceberem o que se dizia. Essa foi a Igreja em que cresci e me formei e da qual me fui afastando carregado de dúvidas.
Porque Francisco, o Papa argentino com origem italiana, veio completar o caminho iniciado por João XXIII (até então, e desde 1871, os Papas consideravam-se “prisioneiros” do Estado italiano, no Vaticano, o qual mandou às urtigas essa impossibilidade de sair de Roma e foi iniciar apostolado pelo mundo visitando países onde nunca havia estado), dizia eu, Francisco, reformando o que pode e consegue, está a tornar a Igreja Católica numa Igreja de todos, onde os pecadores também têm assento à mesa de Deus ele é o reconstrutor ecuménico pelo qual os agnósticos tanto esperaram. Ele “simplificou” Deus ao torná-Lo um Ente de amor.
A Igreja ainda não concorda com alguns dos preceitos já praticados na sociedade civil, tais como o aborto e a eutanásia, porque diz que a Vida é obra de Deus e é ir contra a Sua obra pôr fim àquilo que Ele criou. Mas, se Deus é perdão, Ele perdoa, porque não cabe ao Homem descobrir os desígnios de Deus, muito menos julgar no lugar Dele.
Francisco tem apaziguado o meu agnosticismo. Não consigo ficar-lhe insensível.