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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.08.20

Ignorar a História ou a ignorância popular


Luís Alves de Fraga

 

É sabido que, tanto nas universidades como no ensino básico e secundário, durante o Estado Novo, o mesmo é dizer, na ditadura salazarista, os programas de estudo de História de Portugal pouco ou quase nada iam além da Revolução Liberal de 1820, falando-se vagamente das lutas entre D. Pedro e D. Miguel, do regicídio, da implantação da 1.ª República e do mal que esta gerara no país. O Estado Novo e a Revolução Nacional ‒ era assim que se designava o processo ditatorial iniciado em 28 de Maio de 1926 ‒ impulsionados por Oliveira Salazar, enchiam o consciente dos estudantes desde o primeiro ano do ensino até ao último, fosse ele qual fosse.

 

Quando se estudavam os territórios ultramarinos eles tinham designações diferentes de acordo com a época de estudo; foram colónias do Império Colonial, foram Províncias Ultramarinas e chegaram a ser Estados (Angola e Moçambique). Mas foram sempre, para nós, os que nascemos nos anos da Ditadura, uma Herança dos Nossos Maiores, uma Herança da Gesta Heróica dos Descobrimentos. Foram sempre uma responsabilidade moral que nos esmagava com o peso da obrigação de assegurar a continuidade da Herança e com o encargo de civilizar os pobres negros atrasados desses territórios.

Foi aqui e nisto que começou a mentira de Salazar, mas, também, a mentira dos republicanos ‒ menos responsáveis, contudo, responsáveis ‒, a mentira de todos os que sabiam a verdade e a esconderam!

Vamos por partes, desmontar essa mentira e percebê-la, porque se ela não for desfeita agora, também os povos dos Estados independentes, que no passado foram colónias portuguesas em África, criarão uma mentira que nos afecta, enquanto Estado colonial.

 

A Herança da Gesta Heróica dos Descobrimentos era ridícula, em dimensão territorial comparada com as fronteiras das colónias Guiné, Angola e Moçambique, que deram azo à guerra colonial entre 1961 e 1974.

Portugal, nos séculos XV, XVI, XVII, XVIII e grande parte do século XIX, detinha somente pontos ao longo das costas marítimas daquilo que se chama Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Pontos onde se fixaram portugueses comerciantes e militares para defender o comércio que se fazia com as populações adjacentes. A penetração para o interior do continente africano ‒ sempre com intuitos comerciais e, convém esclarecer, não esclavagistas ‒ só ganhou algum interesse e só começou a fazer-se com método, depois de 1860 e é necessário esclarecer a razão de ser deste movimento.

 

Em Lisboa temia-se a concorrência que a França e a Inglaterra começavam a fazer, penetrando para além da costa onde já se haviam fixado ‒ expulsando os comerciantes portugueses no século XVII ‒ com o objectivo de comerciar produtos fabricados pelas suas indústrias em florescimento.

Foi esta concorrência, associada à ambição do rei Leopoldo da Bélgica e ao intuito de navegação livre no rio Zaire, que determinou a Conferência de Berlim, começada em 1884 e concluída em 1885.

Foi neste fórum internacional que se definiu o Novo Direito Internacional, substituindo o antigo, que admitia uma regra muito singela: a potência detentora da costa detém o interior correspondente; a alteração estava em concordância, agora, com as novas capacidades produtivas dos Estados em concorrência: para deter o interior havia que o ocupar efectivamente, ou seja, dominar as estruturas políticas, sociais, económicas e religiosas existentes nesse espaço geográfico desconhecido.

Esta decisão europeia gerou vários processos de ocupação: pela acção missionária, pela acção comercial, pela acção diplomática, pela acção política e sempre pela acção da força militar.

Ingleses, franceses, belgas, espanhóis, alemães e italianos foram impondo a sua presença no continente africano, sendo que os portugueses, mais antigos em África, porque não tiveram capacidade de concorrer no desenvolvimento industrial, mantiveram-se apegados à actividade tradicional: o comércio. Assim, a ocupação efectiva pouco ou nada tinha para oferecer para além da imposição da subordinação da política tradicional africana ao poder político português e, a par disso, a obrigação da prática de uma agricultura que fosse rentável aos cofres públicos nacionais.

Uma tal ocupação tinha de gerar oposição por parte dos líderes políticos africanos. Daí à luta armada foi um passo. Passo que se deu depois de 1885 e durou, consoante o território, até às primeiras dezenas de anos do século XX, altura em que foram aceites internacionalmente as fronteiras hoje definidoras dos Estados independentes.

Deste modo, toda a gente é capaz de perceber que o colonialismo português durou muito menos de cem anos. Façamos contas.

De 1860 a 1974 vão cento e catorze anos. Este foi o tempo entre o início da primeira incursão no interior do território do que viria a chamar-se Angola, contudo, só depois de 1885 começaram os conflitos e as imposições militares. Então, voltando às contas, de 1885 a 1975 só passaram noventa anos!

Aqui está a Herança da Gesta Heróica dos Descobrimentos!

Foi por causa desta herança que uma geração de jovens portugueses se bateu em África!

Realmente, não era herança nenhuma, porque se a fosse ter-nos-íamos limitado a combater pela continuidade da presença portuguesa nos pontos da costa marítima onde os navegadores e comerciantes dos séculos XV e XVI se fixaram.

Então, a nossa África seria qualquer coisa como, no máximo, Goa e no mínimo Diu ou S. João Baptista da Ajuda (que Salazar mandou queimar e abandonar!). Essa é que era a nossa África herdada.

Mas a guerra que nós sustentámos contra a guerrilha, de 1961 a 1974 (ou que a guerrilha fez contra nós) foi a continuação das campanhas de ocupação determinadas pelas regras saídas da Conferência de Berlim, em 1885.

 

Se se não tivesse escamoteado a verdade no ensino da História de Portugal, muito mais cedo os Portugueses teriam percebido o engano em que estavam a chafurdar e ‒ quem sabe? ‒ teriam arranjado processo de ter mandado Salazar, o Estado Novo e toda a pandilha que sustentava a situação passear. Teríamos saído sem derrame de sangue da África que não era Herança dos Descobrimentos e teríamos virado toda a nossa política para a colaboração com os novos países e para encontrar forma de alterar a economia metropolitana de maneira a torná-la competitiva ainda na década de sessenta do século passado.

 

O estudo da História ‒ não digo da propaganda histórica, que os poderes políticos querem impor aos seus povos ‒ com toda a verdade e clareza que pode trazer sobre o passado, ajuda a democracia e a honestidade política. A distorção da História corresponde sempre a uma manipulação do povo e esconde um objectivo político que é, nessa altura, inconfessável.

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