Hipóteses para explicar uma crise
Dizem, foi de repente que estalou a crise política em Portugal. Pessoalmente, julgo que não. Não tenho fontes privilegiadas para me fundamentar; limito-me a tentar compor hipóteses viáveis, através dos elementos de conhecimento público. Faço o que a maioria dos comentadores políticos faz: arquitecto hipóteses. Simplesmente, assumo-as como hipóteses e não como verdades.
Qual a razão da intransigência governamental na aceitação da “resolução” do caso “professores” votada na Assembleia da República?
Aqui vai a minha primeira hipótese.
Pergunta: Quais são as carreiras congeladas?
Resposta: «as integradas em corpos especiais».
Pergunta: Quais são os corpos especiais?
Resposta: Os professores do ensino básico e secundário, os magistrados, os militares e as forças de segurança (julgo que não me esqueço de nenhum outro).
Pergunta: De todos os corpos especiais quais são os mais numerosos e os menos numerosos?
Resposta: Respectivamente, os professores e os magistrados.
Pergunta: O que são corpos especiais?
Resposta: Aqueles «em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito».
Chegámos ao cerne de toda a problemática. Vamos continuar com este jogo de hipotético diálogo?
Pergunta: Qual é o corpo especial que tem, ou tinha, mais escalões remuneratórios?
Resposta: O dos professores antes referidos (dez escalões)
Pergunta: Então, e os que têm menos?
Resposta: Os de magistrados judiciais e de professores do ensino universitário (Juiz: de 1.ª instância ou de Direito, desembargador e conselheiro; professor universitário: assistente, auxiliar, associado e catedrático).
Pergunta: E os oficiais das Forças Armadas?
Resposta: Têm, na melhor das hipóteses, nove postos e, vulgarmente, só seis.
Tiremos, deste diálogo, uma conclusão.
Sendo o número de professores o maior de todos os grupos de corpos especiais e tendo o maior número de escalões e sendo aquele em que, mais de metade dos efectivos, chegava, ao cabo de trinta e seis anos de serviço, ao décimo escalão, há muito tempo os diferentes governos querem fazer actuar duas “alavancas” decisórias: ou reduzir o número de escalões ou reduzir o número de professores que chegam (chegavam) ao topo da carreira.
Tratar-se-á de uma “reforma estrutural” não confessada, mas compreendida pelos partidos do “arco da governação”. Só assim se justifica a resistência oferecida pelo Partido Socialista (PS) à pressão dos grupos políticos à sua esquerda e ao “faz de conta que dá, mas não dá” dos partidos à sua direita.
Mas, a conclusão anterior, por ser politicamente fatal, não pode ser confessada.
Para os partidos com responsabilidades governamentais, por causa dos encargos orçamentais com os professores no activo e com os que se reformarão, a solução passa por, numa primeira fase, levar muitos docentes para a reforma em escalões inferiores ao décimo e, numa segunda fase, reduzir o número de escalões para cinco ou seis, tornando a carreira semelhante às dos outros corpos especiais.
Qual a razão para António Costa ter anunciado uma crise política baseada na questão da contagem de tempo dos professores?
Segunda hipótese.
O PS, em consequência de divergências internas, pretende desfazer a coligação parlamentar à esquerda, descartando-se do Bloco de Esquerda (BE) e, aceitando, no mínimo, o entendimento com o Partido Comunista Português (PCP); ao mesmo tempo quis testar a coerência do CDS e do PSD para, colocando-os perante o seu acto eleitoralista, demagógico e sem efeitos práticos, demonstrar ao eleitorado a falsidade das promessas dos partidos de direita. Foi uma encenação perfeita que deixou mais evidente duas coisas: por um lado, o desnorte entre o grupo parlamentar do PSD e a direcção do partido e, por outro, o populismo de um CDS em corrida errática, sem estratégia nem táctica para o futuro.
Se as minhas hipóteses se confirmarem, será necessário que a votação no PS não lhe dê maioria absoluta e que o eleitorado saiba escolher, à esquerda, o partido fiável para um possível entendimento parlamentar com António Costa, garantindo a estabilidade possível.