Fases da minha vida ‒ 9
(Preparação para nova mudança)
Depois da morte de uma paixão, depois de um chumbo, depois de uma excomunhão o meu regresso ao Instituto dos Pupilos do Exército já só tinha um significado: concluir o ano lectivo e tentar ingressar ou na Escola Naval ou na Academia Militar.
Procurei alcançar o maior rendimento possível nos estudos, mas, como já disse, aquele ano lectivo era muito difícil. Esgadanhei nos livros o mais que pude, contudo, as notas não foram famosas. A minha natural propensão não ia no sentido das ciências físicas nem matemáticas. Estar naquele caminho representou muito esforço e muito sentimento de suficiência, porque era um aluno só suficiente!
Chegado a Junho fui sujeito a várias provas orais e lá me safei com uma média baixinha. Mas…
Há aqui uma história, da qual só tive conhecimento um ano depois, que merece ser relatada. Quem ma contou foi, nem mais nem menos, o director dos Pupilos do Exército, era eu já cadete da Academia Militar, quando, uma vez, fui visitar a 2.ª Secção do Instituto.
Do que me disse o coronel Ferreira Gonçalves, em Junho de 1961, na reunião dos professores, antes dos exames, ao discutir-se quem aprovava ou não, eu estava em vias de ser excluído, por falta de positivas em mais de duas ou três disciplinas. Perdeu-se tempo a analisar o meu caso e, porque também professor, o padre Ruy Corrêa Leal foi taxativo na sua opinião: havia que eliminar-me, sem apelo nem agravo. Rua, com as pernas cortadas!
Foi o director quem exigiu que me fosse dada a possibilidade de ir a exame escrito e oral. Fui e passei. Todavia, a razão para o austero director me contar este episódio, que me seria completamente alheio, está ligada a uma outra história. Aí vai.
Como já relatei, desde 1959, com a reforma da Escola do Exército em Academia Militar, os alunos dos Pupilos, com o curso de contabilistas, poderiam concorrer a todas as armas e serviços, porque, cumulativamente, estavam habilitados, também, com o, então designado, 7.º ano alínea f) dos liceus. Ora, havia uma das cadeiras correspondente àquela equivalência que só era leccionada no último ano do curso de contabilistas, donde, porque eu estava a concorrer com o penúltimo, a aceitação às provas na Academia Militar era condicionada à aprovação nessa derradeira disciplina, que deveria fazer em época especial, determinada pelo director do Instituto. Não era fácil a tal disciplina em falta; tratava-se de Geometria Descritiva, coisa de que eu nunca ouvira falar!
Lá pelo meio de Agosto ‒ creio, já depois de ter feito algumas das provas de admissão ‒ tive de ir aos Pupilos e encontrei o severíssimo director que, de chofre, me lançou as perguntas: «Quando é fazes exame de Geometria Descritiva? Sabes alguma coisa da matéria?». Olhei-o nos olhos e respondi: «Não sei nada e faço quando o meu director mandar».
Marcou-me o exame para treze dias depois e deu-me o programa da matéria para eu saber o que tinha de estudar. Olhei para aquilo exactamente como diz o provérbio popular: como boi para palácio!
Nesse mesmo dia consegui arranjar uma explicadora, que levava um preço módico, para me ensinar o programa em lições intensivas com duração de cinco ou seis horas diárias.
Descobri que tinha uma capacidade, até aí, minha desconhecida: ver no espaço, ou seja, imaginar, em abstracto, objectos que não existem. Este facto foi fundamental para perceber a forma de representar no papel esses objectos, idealizando-os atravessados por rectas ou por planos. Em doze dias passei do completo desconhecimento da Geometria Descritiva para a capacidade de transpor da representação no 1.º quadrante para o 4.º.
No décimo terceiro dia apresentei-me a exame escrito, com a presença do director e, depois de concluído, fui sujeito a prova oral, cerca de meia hora após ter sabido da aprovação com uma nota que, se aceite, iria ser superior à do meu condiscípulo que havia frequentado o ano completo de aulas; assim, a classificação teria de ser mais baixa. E foi.
Na opinião do coronel Ferreira Gonçalves, só um indivíduo muito inteligente teria condições para fazer o que eu fiz!
Juro, na altura, não liguei a mínima importância ao facto; o que queria era entrar para a Academia Militar. Agora, era esperar pela saída dos resultados do concurso. Mas, para o director, a minha aprovação naquela cadeira confirmou a aposta que havia feito dois meses antes, quando o padre Ruy me queria ver excluído dos Pupilos por falta de aproveitamento escolar!
Até chegar à Academia Militar falta, ainda, um episódio passado nos Pupilos entre o director e o meu pai, com a minha presença.
Vê-lo-emos mais tarde.