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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

26.07.20

Fases da minha vida ‒ 47

(O Externato de Santa Bárbara)


Luís Alves de Fraga

 

Em Outubro de 1971, nasceu-me outro filho e o orçamento familiar tinha de ser reforçado. Cabia-me a obrigação de me desdobrar para conseguir um acréscimo, mesmo que pequeno, de dinheiro ao fim do mês.

Já não recordo como, soube de uma vaga num externato, que ficava a meio caminho de minha casa e da DSIC, cujas aulas nocturnas começavam às dezanove horas. Bastava-me sair do serviço quinze minutos mais cedo e conseguia estar a tempo do início das aulas. Desta vez, a proposta era leccionar História aos anos equivalentes àquilo que são hoje o sétimo, oitavo e nono. Era hábito, nos colégios, o professor de História ensinar também Geografia. Foi isso que me propus. Já levava concluídas muitas cadeiras do ISCSPU e sentia-me capaz de enfrentar uma turma de jovens.

 

Devo esclarecer dois aspectos significativos: a frequência destes colégios e quem os dirigia. É necessário para se perceber o que vou contar.

Naqueles tempos, o chamado curso dos liceus dividia-se três partes: o ciclo preparatório, o curso geral e o curso complementar. O ciclo preparatório durava dois anos; o curso geral durava três anos; o complementar dois anos. O curso geral dividia-se em duas áreas: a de letras e de ciências e só era dado por concluído quando o aluno aprovava em ambas as áreas. Só havia exames no final de cada parte.

Estabelecendo a relação com o modelo actual, podemos dizer que os exames se faziam, a nível nacional, no 6.º, no 9.º e 11.º ano.

Qualquer pessoa podia, depois de feitos os dois primeiros anos (5.º e 6.º, na designação actual, ou ciclo preparatório, na designação antiga) propor-se a exame de 9.º ano em uma das secções e, no ano seguinte, na outra. Ou seja, em dois anos lectivos concluía três de frequência normal.

Este sistema representava uma excelente oportunidade de negócio para quem quisesse e tivesse possibilidades (dinheiro e alvará) de abrir um externato (colégio onde os alunos eram externos ao contrário dos internatos), angariar professores com habilitação mínima, pagar-lhes quantias baixas, e reunir um elevado número de alunos a quem cobrava um valor mensal que chegasse para pagar as despesas e obter um lucro razoável.

 

Perto do largo de Santa Bárbara, em Lisboa, na rua Passos Manuel, num rés-do-chão, ficava o Externato de Santa Bárbara, propriedade de um sacerdote católico, despadrado. Foi lá que iniciei a minha experiência civil de leccionar. Turmas grandes, com mais de trinta alunos interessados, quer pela despesa que faziam quer por já não serem crianças, embora a maioria rondasse os dezassete e dezoito anos.

A preparação das aulas ainda me ocupava os serões, pois tinha de ser rápido a explicar, mas capaz de prender a atenção dos alunos, preparando-os o melhor possível para os exames. Fazia testes ou pontos escritos como se dizia na época. Avaliava os alunos e as suas capacidades com ponderação e cautela. Chegado ao mês de Junho, nas últimas provas escritas, ao entregar os resultados, avisei os mais fracos da inutilidade de se apresentarem a exame, pois iriam reprovar, quase de certeza, já que, em matéria de estudos, nunca acreditei em milagres.

Devo confessar, todo esse ano lectivo foi uma bela experiência para alimentar uma vocação que andava perdida nos labirintos de mim mesmo.

 

Estavam a acabar as aulas e fui chamado ao director do externato; queria comunicar-me que eu havia procedido mal ao avisar os alunos do seu mais que previsível insucesso escolar. Fiquei pasmado com aquele recado dado no tom seráfico, mas sibilino, característico dos sacerdotes católicos.

‒ Mas não é para dizer? Devo deixá-los irem a exame convencidos de um sucesso que jamais terão?

‒ Está claro que sim, senhor capitão! É que, se lhes tirarmos as esperanças, para o ano, vão escolher outro externato, porque nunca irão acreditar ser culpa deles, pois a culpa será nossa por não os termos preparado para o exame!

Fiquei estupefacto perante um argumento incapaz de me passar pela cabeça. Ainda tentei argumentar tratar-se de uma desonestidade intelectual esse engano dos alunos.

 

No final do mês de Setembro do ano lectivo de 1971/1972 recebi uma carta do director do externato a dispensar os meus serviços ‒ em boa verdade eu já sabia que, em 1973, marcharia para África para nova comissão ‒ à qual respondi com toda a agressividade, ameaçando-o de denúncia pública e administrativa de desonestidade para com os alunos. Foi uma forma de o assustar e, ao mesmo tempo, não me calar perante uma atitude tão reprovável.

Na volta do correio propunha-me o horário que eu quisesse escolher, um aumento do pagamento da hora em mais cinquenta por cento e contrato por dois anos seguidos. A resposta foi, como não podia deixar de ser, uma recusa em voltar a trabalhar naquele externato.

 

Comecei a aprender que o ensino é, muitas vezes, um mero negócio e que, na vida, um processo de obter segurança passa pela mais reles atitude humana: a chantagem.