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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

18.07.20

Fases da minha vida ‒ 42

(Tempo e local de estudo)


Luís Alves de Fraga

 

Após a matrícula no ISCSPU tive a grata surpresa de saber que, sendo aluno voluntário, isto é, não obrigado a assistir às aulas, gozava, embora fosse oficial do quadro permanente, das mesmas facilidades e regalias que haviam sido legisladas para os militares milicianos regressados das colónias: fazer exame fora da época apropriada, bastando para tal um simples requerimento a solicitar a formação de um júri para a cadeira à qual se desejasse ser sujeito a avaliação.

Conheci médicos, advogados e outros licenciados que concluíram os cursos em modo acelerado, pois papavam cadeiras atrás de cadeiras, com preparações de poucos meses entre cada uma. Do ponto de vista da recuperação do tempo gasto no serviço militar nas colónias era um extraordinário benefício, mas, olhando por outro prisma tal benefício, percebemos que o Governo, a universidade e todo o sistema de ensino estava a compactuar com o facto de o exame ser um pro forma e não uma demonstração de saber, pois, o mesmo era dizer: prestem provas, independentemente de terem conhecimentos consolidados.

Usei este benefício para me sujeitar à avaliação depois de ter esgotado toda a bibliografia aconselhada e saber as matérias muito para além do conteúdo das sebentas.

 

O meu tempo para estudo começava, nos dias de semana, por volta da nove da manhã e acabava ao meio-dia. Porque morava na Graça, e ainda não tinha automóvel próprio, ia de eléctrico até aos Anjos, mais em concreto até junto ao antigo cinema Lys, para me instalar na mesa de um velho café com história: o Colonial. História, porque ali havia almoçado Amílcar Cabral após o primeiro casamento com a colega de curso de agronomia, Maria Helena Vilhena Rodrigues, natural de Chaves. E a ementa só constava de dois pratos: um bom prego com batatas fritas e ovo a cavalo ou o celebérrimo bacalhau à Brás.

Ao sentar-me à mesa, o empregado já sabia o que me servir: um café e um marino, também especialidade da casa. Foi ali, no silêncio de um estabelecimento onde, àquela hora do dia, só estavam alguns reformados ou gente de passagem, que preparei uma parte dos meus exames, lendo, sublinhando e anotando as sebentas e os livros, que comprava em primeira ou segunda mão. Sem pressa, ia deglutindo o saber. Voltava atrás para compreender melhor, para relacionar, para extrair sínteses.

 

Depois de ter feito, fora de época, um ou dois exames, percebi coisas sobre o ensino universitário daquele tempo: tinha de memorizar nomes de autores, pois não bastava papaguear o que disseram ou defenderam; era mais importante repetir o saber dos professores do que o meu entendimento da matéria.

Entre Novembro de 1969 e Dezembro de 1972 fui estudando e crescendo intelectualmente. Porque tudo aquilo era um acessório na minha vida, perdi toda a ansiedade sobre o fim do curso. Acabava quando acabasse, por isso, nas férias de Páscoa e nas de Verão andava com os livros de um lado para outro, com os cadernos das sínteses (sem o saber, já fazia fichas de leitura, por onde revia as matérias antes das provas) para entrar, muito para além do exigido, nas metodologias próprias das ciências sociais e das ciências políticas, que me encantavam. Foi nesses anos que percebi a mais-valia de não ter optado pelo curso de História, pois lá só iria aprender o passado; um passado morto. Contudo, nas ciências políticas e sociais, a História ganhava vida, porque provava a acção, através de olhá-la com as justificações de quem busca a verdade ou, no mínimo, uma verdade. A História é um saber que auxilia a ciência política quando se quer trabalhar em termos justificativos, mas, curiosamente, a ciência política ou, melhor dito, a sua metodologia tomam o papel de auxiliar quando se quer fazer História, porque permite dar-lhe a cor da vida em plena acção.

 

Nesses anos, porque o tempo era sempre pouco para estudar aquilo que me apaixonava, deixei de ler ficção. Na mesa de cabeceira já não estava o romance, como nos anos posteriores à saída da Academia Militar, mas o livro de ensaio que me dava perspectivas sobre isto ou aquilo que andava a explorar naquele momento.

Curiosamente, foi nessa altura que deixei de saber ler romances, porque passei a mastigar as palavras de modo a compreender o que está para além delas. Na maioria das vezes, a ficção vive das emoções veiculadas pelas palavras enquanto o ensaio vive da apreensão das ideias cujo suporte são as palavras.

 

Deixei de estudar para satisfazer aos condicionalismos universitários, no começo do ano de 1973, porque soube da minha próxima nomeação para África. Faltavam as cadeiras equivalentes a um pouco mais de um ano para concluir o curso. Havia aprendido e conseguira os resultados possíveis para quem frequentava pouco as aulas e não tinha muito tempo para estudar.

Recordo-me de ter pensado: no regresso logo acabarei, se ainda houver este curso!