Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

14.05.20

Fases da minha vida – 10

(Na despedida)


Luís Alves de Fraga

 

Acabado o concurso à Academia Militar, feita a cadeira de Geometria Descritiva, restaram-me uns dias, talvez uma semana para gozar, efectivamente, férias… em Lisboa, na casa dos meus pais.

Havia sido um Verão intenso, pois o concurso à Escola Naval ‒ minha primeira escolha no fim do segundo ano de contabilistas ‒ começava como, creio, ainda começa, logo no final de Julho ou primeiros dias de Agosto e voara o tempo em voltas burocráticas e em preparar-me ‒ com auxílio de uma explicadora ‒ para o exame de Matemática e para o de Geografia. Fiz as provas psicotécnicas e académicas e logo nestas fui excluído, não por causa da Matemática ‒ tinha uma boa cunha suficiente para superar as minhas carências ‒, mas por causa da Geografia onde tudo correu bem até à pergunta de desenvolvimento.

Merece que conte.

 

No final do primeiro trimestre do ano de 1961, como é sabido pelos mais velhos, começaram as operações militares em Angola e os jornais transbordavam, ainda em Julho e Agosto, de um patriotismo exacerbado. Os Portugueses andavam exasperados com os massacres levados a cabo no Norte de Angola, pela UPA. Vivia-se o espírito do Rapidamente e em força e do Angola é nossa, slogans lançados por Salazar num discurso feito algures.

Ora, o comandante Renato Sequeira de Brito, professor da cadeira de Geografia, na Escola Naval, também antigo aluno dos Pupilos do Exército, entendeu levar os candidatos a mostrarem o que pensavam sobre o futuro de Angola, naquele momento.

Ciente de que estava a responder a uma pergunta para ingresso no ensino superior militar, entendi que o patriotismo próprio de uma prova de exame de instrução primária não tinha ali cabimento e, se o pensei, melhor o coloquei em prática: achei por bem dizer que, embora a resistência de circunstância fosse necessária, a prazo, como acontecera com o Brasil, Angola, viria a ser independente.

Jesus, Virgem Santa Maria, o que eu fui dizer! Reprovado por falta de patriotismo foi a resposta dada a um dos oficiais, também de Administração Naval, o comandante Diogo Afonso, um dos que intercedia por mim no concurso. De nada valeram as racionais chamadas de atenção. O regente da cadeira era, pelos vistos, um visionário, um crente em soluções impossíveis e, acima de tudo, um homem do Estado Novo.

Acaba aqui a história que me levou a não poder ser hoje, provavelmente, um capitão-de-mar-e-guerra, reformado, da nossa Armada!

 

Sem férias decentes e sem resultados do concurso à Academia Militar o meu pai entendeu ‒ e bem ‒, no dia do começo das aulas nos Pupilos mandar-me apresentar para frequentar o terceiro ano do curso de contabilistas. E eu fui, porque nem outra coisa me passou pela cabeça! Poderei ter achado violento ‒ se achei, já não me lembro ‒, mas uma ordem do meu pai não era para ser refutada.

Fui e ainda tive um ou dois dias de aulas. Mas ‒ aqui, presumo, terá havido mão da minha mãe ‒, talvez no terceiro dia ‒ lá para 9 de Outubro, que foi segunda-feira ‒, de manhã, avisaram-me que o meu pai estava na parada da 2.ª Secção e queria falar comigo. Fui ter com ele e disse-me: «Vamos ser recebidos pelo senhor director». Não me deu a curiosidade de averiguar do motivo e fui com ele direito ao gabinete do coronel Ferreira Gonçalves.

 

O diálogo começou por o meu pai expor que eu estava ali porque não se sabia, ainda, o resultado do concurso à Academia Militar, que não tinha tido férias e julgava justo eu ter alguns dias de repouso, se fosse aprovado nas provas já concluídas. O director, muito amável, com uma amabilidade que lhe desconhecia, prontificou-se a telefonar para o gabinete de estudos da Academia e saber se eu estava ou não na situação de ser admitido.

Não tardou a resposta: eu já era cadete da Academia Militar e poderia ir para casa. Contudo, o inesperado, o impensável, o inacreditável, aconteceu, e passo a relatar.

O rigoroso e nada simpático coronel Alfredo Ferreira Gonçalves, director do Instituto dos Pupilos do Exército, disse, textualmente, ao meu pai:

‒ Senhor Fraga, não deixe o seu filho ir para a Academia Militar; ele tem um outro futuro na frente!

Fiquei estarrecido. O que era aquilo? O meu director não queria que eu fosse militar de carreira? Poderiam contar-me tudo, mas aquilo que acabara de ouvir jamais acreditaria.

O meu pai, com a tranquilidade que lhe era habitual, respondeu:

‒ Senhor director, o Luís Manuel é quem decide. Os olhos de ambos estavam fixos em mim. Tinha arquitectado vários planos B para o caso de não entrar na Academia, mas não previra este cenário. Eles esperavam uma resposta.

‒ Eu quero ir para a Academia Militar!

Acabara de cortar definitivamente o cordão umbilical que me prendia à Casa, ao director, ao curso de contabilistas e a outras hipóteses que se me abririam na vida. Defini, naquele momento e com aquela frase, o meu presente.