Expresso
Passou há dias o quadragésimo sétimo aniversário da publicação do semanário Expresso. Foi, naquele tempo, um feito de grande relevância. Era o ano anterior ao 25 de Abril e o ano em que marchei para Moçambique no cumprimento da minha última comissão de serviço militar em África.
A Primavera Marcelista já tinha acabado. A censura, não sendo já tão rígida como nos anos de Salazar, havia retomado a fúria dos cortes. O problema magno era a guerra nas colónias; tocar nesse assunto equivalia a mexer em fogo. Mas o Expresso ia caminhando e gerando uma nova cultura a par de outras vindas dos jornais República e Diário de Lisboa. Era uma questão de saber jogar com os coronéis censores! A maioria, gente de fraquíssima ilustração cultural, mas muito vigor para servir o fascismo português.
Mas havia que perceber um pouco melhor quem estava por trás do Expresso. O homem que dava a cara pelo jornal ‒ Francisco Pinto Balsemão ‒ era um tipo do regime, um tipo que girava na alta-roda dos políticos fascistas; no tempo em que cumpriu serviço militar ‒ na Força Aérea, na mesma especialidade que é a minha ‒ foi ajudante-de-campo do secretário de Estado da Aeronáutica, Kaúlza de Arriaga, aquele que, anos depois, já general, quis convencer o país de que ganhara a guerra em Moçambique e que, nas vésperas do 25 de Abril de 1974, conspirava para preparar um golpe de ultradireita; o mesmo que denunciou, em Abril de 1961, o chamado golpe Botelho Moniz, cuja finalidade era a de arranjar uma solução que evitasse a guerra em África, depondo Salazar.
Pinto Balsemão pertencia à alta-roda do poder instituído, por isso, o Expresso nasceu com dois destinos: gerar a sensação de maior abertura informativa, enganando-nos ‒ como nos enganou, de facto ‒ e servir de temporizador de uma mudança desejada, mas dentro dos limites de uma democracia jamais democrática. Era o prolongamento prático da ala liberal da Assembleia Nacional, que, para ser liberal, só o era por contraponto à ala dos ultras.
Mas, como acontece normalmente, quem faz um filho perde, passado tempo, o controlo da vontade do jovem, este ganha a autonomia que pode; também, no final de 1973 e começo de 1974, o “Expresso” ganhou personalidade “adolescente” e começou a fugir das mãos de todos. Era ele mesmo e o seu corpo redactorial. Quando o livro do general Spínola ‒ Portugal e o Futuro ‒ saiu para as bancas das livrarias, o Expresso transcreveu larguíssimas partes do original.
Era ainda um livro de um homem do sistema, mas em revolta. As transcrições, parecendo o contrário, estavam ainda na linha geratriz do jornal, ou seja, dentro do regime, mas em movimento centrífugo.
O pós golpe militar de Abril de 1974 originou uma clara mudança nos objectivos do semanário, contudo, vendo bem e cautelosamente, ele continuou a ser o jornal que, lá no fundo, estava em concordância com Sá-Carneiro, um homem vindo do regime fascista nacional, contudo, criador de um partido de abrigo da gente descontente com a brutalidade de uma ditadura, que poderia ser branda, parecendo democrática.
O Expresso é, ainda hoje, um jornal de referência, democrático, mas um jornal cheio do equívoco que nasceu com ele. É, afinal, o fruto do nosso equívoco com a política dos brandos costumes. Somos assim e ele é assim!