Estratégia, subordinação ou falta de visão?
Há coisa de um ou dois dias vi e ouvi na televisão a presidente da comissão europeia, Ursula von der Leyen, declarar uma total fidelidade da UE à causa bélica da Ucrânia, juntando os destinos de ambas. Fiquei siderado. Explico a razão.
Em primeiro lugar a comissão europeia, sem mais nem menos, sem uma consulta aos cidadãos da União, arrasta-nos a todos para o “barco” que os eurocratas de Bruxelas entendem que deve ser o nosso; depois, ao adoptar este posicionamento, está, implicitamente, a colocar os Estados integrantes da UE na posição de subalternos da política e da estratégia global dos EUA; finalmente, demonstra uma total incapacidade de delinear uma estratégia para colocar a Europa ocidental numa posição de equilíbrio entre as forças e as linhas estratégicas que se vão definir no futuro próximo, quando o conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia ficar congelado ou se resolver, pois, uma coisa vai ser certa: nunca mais o relacionamento entre o ocidente e o oriente será igual ao que era antes de Fevereiro de 2022.
Realmente, os EUA estão a reerguer a cortina de ferro que levou à Guerra Fria, embora, de momento, as fronteiras dessa cortina passem já pela China, e, provavelmente, pelas da União Indiana, porque, se está a definir um outro bloco com características neutralistas, semelhante ao que Sukarno alimentou em 1955, embora adaptado e integrado a um outro tempo histórico que é o do presente e do futuro que se adivinha.
Ursula e os seus conselheiros não percebem ou não querem ou não podem perceber que a pobreza estrutural da Europa não tem de ser alimentada com as migalhas do imperialismo americano, mas, para sobreviver, tem de voltar a estar ao lado dos Estados que, noutros tempos, a alimentaram quando eram suas colónias. Todavia, ao contrário de então, agora e amanhã, seguindo uma política de cooperação. Esse era, tem de ser, o caminho da UE e o da Grã-Bretanha. Claro que esta última, porque há muito tempo está rendida a Washington, sentirá dificuldade em cortar essa amarra. E eu percebo a razão: trata-se de não perder um prestígio que já não existe desde o fim da 2.ª Guerra Mundial. A Carta do Atlântico acorrentou os destinos de Londres, através da abdicação de Churchill perante Roosevelt, aos EUA: foi a velha raposa política londrina a dizer ao anafado hóspede da Casa Branca: «poderemos ser grandes, se ambos formos grandes». Foi um jogo de ilusionismo.
As vantagens de uma neutralidade da Europa perante uma nova ordem estratégica decorrem de poder ter o melhor de dois mundos, minimizando aquilo que pode ser o pior de ambos. Isto, se não tomarmos em linha de conta um outro aspecto que ainda pesa nos nossos dias: a cultura dominante.
Com efeito, por muito que o mundo se tenha “americanizado” o substrato cultural continua a ser de natureza europeia; a Europa ainda tem encantos, história e peso intelectual não só nos EUA como também por quase todos os continentes, embora para lá do Médio Oriente, comecem a impor-se as culturas dos povos dessas regiões que, nos momentos decisivos da vida internacional, optam por tentar uma conciliação entre o que é oriental e o que é ocidental. Tal atitude mostra ainda o “valor” da cultura europeia. Vemos, por conseguinte, que uma opção clara e definitiva pela “ocidentalização americana” contribuirá para o desaparecimento dos resquícios da Europa no mundo, quando este século estiver a chegar ao seu termo. É isto que desejamos para os nossos netos e bisnetos?