Do Hino Nacional à Falta de Vergonha
Há umas semanas foi notícia o facto de se terem feito sugestões para a alteração da letra do Hino Nacional, por ser muito belicista. É tonta e balofa tal proposta, mas não deixou de, em qualquer momento voltar a ser retomada. Quem isto propõe não percebe o que é um hino nacional, não sabe ou não quer saber o que são e para que servem os símbolos dos povos e, mais do que tudo, das nações.
Um hino nacional (mesmo os eclesiásticos, os militares, os de agrupamentos sociais) é um elemento agregador de um todo, como se fosse uma rede que prende todos, que enleia o conjunto, que o canta e sabe cantar; é, acima de tudo, um símbolo de união, porque adquire a força de uma magia e dá a noção de pertença.
O Hino Nacional nasceu num momento muito específico, um tempo de revolta, de ira, de zanga e, por isso, de unidade, de coesão; um tempo em que a falta de força militar gerou o excesso de força anímica. Ele foi feito quando, traiçoeira e despudoradamente, a nossa aliada britânica enviou ao Governo, em Lisboa, um ultimato com ameaças de bombardeamento da capital. É um hino de revolta contra os britânicos, do mesmo modo que o é contra a Monarquia, que não soube acautelar a defesa nacional, nem militar nem diplomaticamente. É, por isso, um hino de revolta que aglutinou, ao ser feito e cantado, todos quantos viam na decadência nacional uma razão para bradarem às armas e correrem o risco de marchar contra os bretões (que a República transformou em canhões).
Mas, o simbolismo do nosso hino vai mais longe, pois recorda-nos que aqueles que se dizem nossos melhores amigos podem, afinal, ser os nossos piores inimigos. É um hino de alerta para quem lhe saiba a história.
Começou a ser tocado, no Porto, pelas bandas militares dos diferentes regimentos, logo no dia 5 de Outubro de 1910. Não se podia deixar continuar como hino nacional aquele que até então se cantava, pois nos versos ele era, em tudo, contrário ao novo regime: desde aclamar o rei e a religião, aclamava ainda a Carta Constitucional. Ao cair a Monarquia ela levou consigo os símbolos que eram seus, porque se aclamava a si mesma em vez de aclamar, tal como a Marselhesa, o Povo, a Pátria e os valores comuns a todos.
Pela mesma razão a bandeira nacional tinha de ser outra, abandonando-se as tradicionais cores azuis e brancas, porque eram as cores do rei e do reino e, por muito que aquele quisesse representar o Povo, a verdade é que estavam indelevelmente ligadas ao trono e jamais à totalidade dos portugueses.
A bandeira escolhida, nas suas cores, foi a do agrupamento que juntou de nobres a gente de pé-descalço para derrubar a Monarquia: as da bandeira do Partido Republicano Português e, em simultâneo, as da Carbonária. São cores de esperança e de luta ligadas pela História, porque não se desprezaram nem a esfera armilar nem o escudo da fundação nem os castelos, ou seja, não se cortou com o passado da gesta popular.
É por não se exaltarem estes símbolos de Portugal nem os explicar nem os homenagear que se ouvem sugestões cheias de uma ignorante maldade, plena de falta de vergonha, que não podem ficar sem resposta. Eu, à minha maneira, dei-a.