Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

26.07.22

Do direito dos outros até ao gás


Luís Alves de Fraga

 

Há dois dias, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia esteve de visita oficial ao Cairo e, segundo a ênfase dada pelas nossas televisões, terá dito as seguintes frases, falando da Ucrânia: «Os povos da Rússia e da Ucrânia vão continuar a viver juntos. Decerto que ajudaremos o povo ucraniano a libertar-se desse regime, que é absolutamente antipopular e anti-histórico» e «O ocidente insiste que a Ucrânia não deve iniciar negociações enquanto a Rússia não for derrotada [no] com (sic) campo de batalha».

 

Reitero, uma vez mais que sou português, coronel reformado, licenciado em Ciência Política, mestre em Estratégia e doutor em História e, por conseguinte, nada me move na defesa de Putin, nem da Rússia; pauto a minha conduta intelectual pelos ditames da descoberta da verdade possível num domínio onde a mentira impera para justificar a guerra e gerar a contra-informação. Sou um homem livre, que busca pensar pela sua cabeça, sem se deixar dominar por verdades feitas para consumo popular.

Repetida esta declaração de princípios, proponho-me analisar as frases ditas por Lavrov, no Cairo, para, depois, passar à questão da redução do consumo de gás na União Europeia.

 

Geograficamente é absolutamente indesmentível a primeira parte da primeira frase do ministro russo, dada a contiguidade territorial da Ucrânia e da Rússia («Os povos da Rússia e da Ucrânia vão continuar a viver juntos»). Quem discutir esta afirmação ou nunca olhou para o mapa ou é rotundamente idiota. Donde, até aqui, Lavrov tem toda a razão.

Vamos ao resto («Decerto que ajudaremos o povo ucraniano a libertar-se desse regime, que é absolutamente antipopular e anti-histórico»).

Comecemos por identificar o regime ucraniano.

Sem dúvida, é capitalista, fundamentado no poder de uma oligarquia enriquecida com o desmembramento do sistema económico soviético, na base da frase bem portuguesa salve-se quem puder. Houve quem se salvasse muito bem e quem ficasse na pobreza igual, ou quase igual, à que tinha no regime soviético socialista. Todavia, não é, por certo, nesta perspectiva que o ministro russo se refere ao regime político ucraniano pois, neste particular anda pouco distante do regime praticado na Rússia.

A afirmação democrática da Ucrânia está muito aquém daquilo que na Europa do Norte, Central e Meridional entendemos por democracia. Por lá, imperam grupos armados (ainda antes do estado de guerra) com todas as características neofascistas com actuações semelhantes aos camisas negras de Itália, aos camisas castanhas e às SS da Alemanha hitleriana, com uma só diferença, em vez de perseguirem comunistas e judeus perseguem russos ou russófilos. É nisto que se faz a afirmação antipopular e anti-histórica do regime político ucraniano.

Foi, por conseguinte, sobre este regime, que Lavrov se referiu no Cairo. Libertar os ucranianos de neonazis que perseguem russos ou os amigos ou simpatizantes dos russos na Ucrânia. Tão amigos e simpatizantes que, nas regiões onde são maioritários, desejam a separação política da Ucrânia.

 

Mutatis mutandis (mudando alguns pormenores) já tivemos muitas oportunidades de ver os EUA actuar da mesma forma sobre povos que, umas vezes, lhes são geograficamente contíguos e, noutras, ficam bem longe do território americano.

Dizia-se na velha Lisboa dos meus tempos de menino ou há moralidade ou comem todos! Qual será a razão de se criticar a frase do ministro Lavrov e exaltar-se a atitude de Joe Biden, que promete armamento aos ucranianos? Ou, ao longo dos tempos, aceitar que forças militares americanas intervenham, em nome da democracia, em Estados ou grupos civilizacionais diferentes, nos costumes e hábitos, dos EU?

Mas Lavrov também disse que «O ocidente insiste que a Ucrânia não deve iniciar negociações enquanto a Rússia não for derrotada [no] com (sic) campo de batalha» e, realmente, não está a dizer mentira nenhuma, se tivermos como ponto de partida a informação que nos é, literalmente, despejada sobre a cabeça, através das televisões, das rádios e dos jornais e revistas. Julgo que não se trata de uma imagem retórica, pois todo o esforço que, em especial, os EUA e o Reino Unido fazem aponta para a tentativa de repor as fronteiras da Ucrânia nos limites que tinham em 2014. Ora, isto corresponde a um envolvimento de apoio militar a um Estado para levar os seus cidadãos a morrer por uma causa que, se calhar, uma parte deles já deixou de compreender face à destruição que se semeia no solo ucraniano. Mas, mais grave, é que corresponde ao sonho de colocar de joelhos a Rússia e atirar por terra o seu orgulho nacional, o que é extremamente perigoso pois a História tem demonstrado que a pior derrota é aquela que humilha o inimigo. Face ao rebaixamento da Rússia, Moscovo pode aceitar que, perdido por cem, perdido por mil, e lá se vai a humanidade ou a maior parte dela, porque, o último recurso poderá ser a elevação do patamar bélico para a utilização do armamento nuclear.

As pessoas não percebem a linearidade destes raciocínios? Não percebem que, desta vez, quem parece defender a democracia, está a levar o mundo para o caos e para o abismo?

Que alienação é esta que nos está a tentar submergir através de uma intoxicação informativa?

 

E, porque está correlacionada directamente com a guerra russo-ucraniana, vem à baila a questão do gás e das exigências de Bruxelas quanto à poupança forçada do mesmo, durante o período que falta até ao Inverno, para satisfazer necessidades dos Estados mais frios e carecidos da Europa.

É do conhecimento geral que Portugal e a Espanha, por razões técnicas de natureza económica e de transporte, se opuseram à poupança dos tais 15% que Bruxelas vinha impor. Tudo parecia aceite, mas, ao que me consta, na reunião ministerial, na capital da União, ficou ou vai ficar decidido que não haverá excepções para manter a coesão política entre todos os Estados (aceitar-se-á que a Espanha seja só obrigada a uma poupança de 7,5%).

Aguardemos pelos resultados, mas permito-me avançar, desde já, com a minha discordância, pois definem-se estratégias de comportamento político e económico, mas é-se incapaz de encontrar alguém que dê um murro na mesa das reuniões, afirmando que falta uma estratégia europeia face à segurança e defesa da União, porque, como diz o nosso bom povo, não se pode querer sol na eira e chuva no nabal, ou seja, não se pode ‒ ou melhor, não se deve ‒ querer estar protegido pelo chapéu-de-chuva militar americano sem que se esteja sujeito à vontade imperial da Casa Branca, porque, após a queda da URSS, a vocação da OTAN transformou-se, acabando no instrumento militar do imperialismo dos EUA, que, ao acreditar ser o polícia global de um planeta onde surgiram múltiplos poderes regionais, tem vindo a tentar impor a pax americana, o mesmo é dizer a ordem global aceite por Washington.

É tempo de perceber que a União Europeia para ser uma unidade económica e financeira tem de ser uma unidade militar autónoma dos EUA, que com eles colaborará ou não de acordo com os reais interesses europeus.