Dívidas e comezainas
Em 1973, era eu capitão e cumpria comissão de serviço no Batalhão de Pára-quedistas n.º 31 (BCP 31), na cidade moçambicana da Beira, colaborei na Emissora do Aeroclube daquela localidade com um apontamento semanal, escrito e lido por mim, sobre a vida internacional de então.
Foi nessa estação de rádio que conheci um excelente técnico de som, natural de uma qualquer terra ao norte de Braga, uma dezena e meia de anos mais velho do que eu, divorciado, com filhos já criados e sem qualquer apoio doméstico para lhe confeccionar as refeições, que tomava num restaurante bem conhecido na cidade. Este minhoto era aquilo que, vulgarmente, se chama “um bom copo”… despejava uma garrafa de litro de vinho ao almoço e outra ao jantar. A conta nunca era pequena, porque não se coibia de consumir com fartura pratos de camarão, peixe e carne.
Numa noite, estávamos vários comensais a confraternizar e veio o gerente junto do técnico, cujo nome não vou referir, e disse-lhe textualmente:
⸺ Já deves as refeições do mês passado e as deste mês. Quando é que fazes um pagamento para abater a conta?
Resposta pronta do bom minhoto:
⸺ Eh pá, o que é isso? Então, é a mim, que sou um bom cliente, que me pedes para pagar! Pois olha, nunca mais cá “benho” comer!
Levantou-se da mesa e, na verdade, nunca mais voltou àquele restaurante.
A história, tendo uma certa carga de humor, dá para pensar um pouco. E foi lembrando-me dela que me interroguei sobre a decisão de o Grupo Mello e de o Grupo Luz Saúde cortarem com o fornecimento de serviços à ADSE.
Na verdade, toda a gente ouve a comunicação social noticiar, enfaticamente, o corte de “relações” daqueles grupos financeiros com aquele subsistema de saúde dos funcionários do Estado, mas quase passa despercebida a razão do conflito, ou seja, o facto de haver uma sobrefacturação de serviços prestados ao organismo assistencial em cerca de trinta e cinco milhões de euros. Quer dizer, os grupos financeiros “comeram” à farta e à valentona, tal como lhes deu na real gana e, agora, após a análise das contas, recusam-se a liquidar o excedente ao “fornecedor” das “refeições”. Para mim, não tenho dúvidas em compará-los ao excelente técnico de som da Emissora do Aeroclube da Beira.
E viva quem, em Portugal, enche o bandulho à custa de enganar os outros!