Democracia e Cristianismo
Não, não vou cair na tentação fácil e ignorante de dizer que Jesus, o cristo, foi o primeiro comunista!
Ensinou, ao que parece, comportamentos sociais e individuais dignos de nota, mas jamais foi comunista.
Terá dito algo como: «Quem nunca pecou, que atire a primeira pedra» e terá dado o exemplo de despretensão quando chamou a atenção para a viúva que, não tendo posses, deu tudo o que tinha como esmola ao contrário do rico que só deu o que não lhe fazia falta.
E ensinou muitas mais coisas, mas, agora, quero só pegar na "da primeira pedra" e "na da viúva".
Quem nunca pecou que atire a primeira pedra!
Isto é um hino à tolerância; talvez, também, ao perdão, mas este só poderá existir se houver antes a capacidade de tolerar.
Tolerar é saber coexistir mansamente (e de mansidão falou também o cristo) com aquilo que nos é contrário, que nos é incómodo, de que não gostamos. Assim, Jesus - o tal cristo -, que terá dito para quem for esbofeteado oferecer a outra face, ensinou o oposto à ira, à cólera, ao castigo, à vingança. Jesus, sendo - porque foi, no seu tempo e entre as gentes onde nasceu e cresceu - um revolucionário, tê-lo-á sido pela forma mais pacífica que se possa imaginar. A prova desse pacifismo está no ensinamento «A César o que é de César e a Deus o que é de Deus». Com isto ele separou as águas entre a violência e a mansidão dos pacíficos. E só um pacífico pode ser tolerante, porque a intolerância comporta em si a revolta, a necessidade de ganhar a todo o custo e Jesus, o cristo ou o ungido, se quisesse a revolta teria confundido a luta contra César como uma luta de Deus.
E a viúva, onde entra aqui?
Esse é o outro grande ensinamento de Jesus, tão ligado ao da tolerância que nem se dá por isso, se não for olhado com profunda atenção.
Na verdade, ao acto de dar está intimamente ligado o sentimento de posse. Só dá, verdadeiramente, aquele que se desapossa! Aquele que, precisando, oferece, pois quem dá o que não precisa, realmente não dá... deita fora!
Ora, para se dar aquilo de que se carece é preciso ter dentro de si o sentimento da tolerância; uma imensa tolerância para com a adversidade. É preciso aceitar que haverá sempre alguém que está em piores circunstâncias, e isso é tolerar o peso que se carrega.
Chegar à democracia depois do que expus é a parte mais fácil deste exercício de lógica, pois só há verdadeira democracia, ou seja, capacidade para aceitar a vontade da maioria quando se está em minoria, quando se consegue ser tolerante, passando por não inventar, deturpar ou distorcer razões para se ter razão.
É por isso que todos os ditadores carecem de moral, de tolerância e de capacidade de dádiva. Os ditadores jamais dizem “tens razão” ou, até somente, “não concordo, mas aceito”. Isso só o dizem os democratas capazes de viver a democracia como exercício puro de tolerância. Mas, por definição, a intolerância jamais será capaz de ser tolerante!
Jesus, o cristo ou o ungido, não foi o primeiro comunista, mas foi, sem sombra de dúvida, um democrata exemplar!