De S. Bento a Belém
O Primeiro-Ministro não quis ceder perante duas vontades: a do Presidente da República e a dos deputados Parlamento. Não cedeu, invocando a inconstitucionalidade das leis ‒ populares e, talvez, populistas ‒ que aumentavam a possibilidade de as famílias e empresas em dificuldades financeiras enfrentarem a crise que a pandemia veio estabelecer.
Parece um braço-de-ferro ‒ e pode sê-lo ‒ mas é, acima de tudo, uma posição consciente de quem sabe que há uma limitação legal que tem ser cumprida: respeitar a Constituição, não aumentando as despesas que não estejam consagradas no Orçamento do Estado.
Na minha vida de oficial de Administração Aeronáutica, por duas vezes tive de replicar a comandantes das unidades, onde eu era chefe da contabilidade, que só cumpriria a ordem de despesa, ‒ ilegal ‒ imposta pela disciplina militar, se ma desse por escrito.
Os comandantes sabiam as implicações de tal posição: a imediata reunião extraordinária do conselho administrativo e o envio da acta consequentemente elaborada para a Direcção de Finanças da Força Aérea, de modo a ilibar a responsabilidade civil e financeira dos membros do respectivo conselho, pois transitavam, de imediato, para o comandante.
Nos dois casos protagonizados, perante a minha posição, os comandantes recuaram na ordem e a lei cumpriu-se.
A semelhança, embora em escala muito maior, é flagrante, já que, agora, no caso de António Costa, a remessa para o Tribunal Constitucional é comparável à exigência da ordem dada por escrito. Terá de ser o Tribunal a sancionar a irregularidade e, ao fazê-lo ‒ se o fizer ‒, abre a porta a uma crise política de larguíssimo alcance, de consequências mal definidas e de responsabilidades incalculáveis. Crise que, para o julgamento histórico, terá dois culpados: todos os partidos políticos com representação na Assembleia da República e o Presidente da República.
Para já, António Costa é o grande vencedor de uma disputa que deixa muito mal Marcelo Rebelo de Sousa ‒ jurou cumprir a Constituição Política da Nação ‒ e, pelo menos, o PCP, por este ser o grande arauto da defesa da Lei-Base portuguesa. É uma mácula que vai cair sobre os dois, igualando-os, de maneira diferente, aos olhos dos mais críticos apreciadores da política nacional.
E não se diga que há mecanismos contabilísticos possíveis de ser usados, pois esse é o argumento empregado por todos os corruptos para fugir aos impostos e à liquidação de encargos. Esse foi o malabarismo de Salgado, no BES, essa é a manobra de todos os grandes vigaristas nacionais e internacionais.
Será assim que os defensores destas leis querem ser lembrados no futuro?