De Lagarde à la guerre
A vida tem destas coisas, há alturas em que me apetece escrever de rajada e outras em que a vontade se esconde lá no fundo de tudo e, pronto, não sai nada. Estou a atravessar um desses momentos. Mas impus-me, hoje, produzir alguma coisa para entreter os meus amigos. Vamos a isto.
Todos sabemos que as taxas de juro do Banco Central Europeus (BCE) estão pela hora da morte e que, por tal causa, muitos portugueses têm a corda na garganta aflitos para pagar as prestações da compra da habitação própria ou porque os preços dispararam em flecha. Quem manda em tudo isto é a senhora Lagarde, presidente do BCE. A intenção todos a sabemos: conter a inflação, em especial nos Estados mais ricos e poderosos da zona euro.
Ora, a inflação pode ter uma de duas origens: ou porque se aumenta a circulação de dinheiro no mercado ‒ que não foi o caso ‒, ou porque os factores de produção foram afectados por carências aquisitivas ou encarecimento na sua origem, que foi e é o caso.
Na primeira situação a solução passa, quase sempre, pela adopção de medidas financeiras; na segunda, passa pela adopção de medidas económicas (embaratecer as matérias-primas, a energia, a mão-de-obra).
Sabemos que a causa da actual inflação tem origem em dois elementos: encarecimento da energia necessária à produção europeia, como resultado das sanções impostas à Rússia pelos EUA, e a guerra na Ucrânia.
Quando a senhora Lagarde torna o dinheiro mais caro (o aumento do juro tem esse efeito) está a adoptar uma solução financeira que só facilita a vida aos investidores dos países mais ricos da zona euro e remete os Estados de pequenas indústrias e de míseros investimentos para uma maior pobreza, pois nem produzem para consumo interno e menos ainda para exportar. Talvez assim se perceba a razão das propostas da CIP (Confederação Empresarial de Portugal): só seremos concorrenciais se o poder de compra aumentar e a produtividade for estimulada e recompensada. Ao contrário da solução Lagarde, os nossos empresários apostam na solução económica. É uma tentativa de chegar à frente o mercado português num momento de recessão geral. O mesmo devia fazer o Governo.
E, então, e a guerra?
Pois, a guerra é o principal motor da disfuncionalidade europeia ‒ entenda-se dos países componentes da UE ‒, porque veio alterar profundamente os circuitos habituais de fornecimento energético, desarranjou a economia dos Estados motores da União, impossibilitando uma neutralidade perante o conflito, russo-ucraniano-americano, já que os EUA fizeram apelo à NATO, através do reaparecimento do espantalho da expansão russa sobre a Europa, equiparando Putin a um Hitler do século XXI.
Ora, ninguém me convence que os diversos serviços de informação de Washington desconhecessem o estado do armamento convencional russo, das suas incapacidades de mobilização e de produção de material bélico, daí que tenham sido os EUA a incentivar o actual conflito, cujo objectivo se centra estrategicamente em dois ou três pontos fulcrais: testar a fidelidade da NATO, enfraquecer o poder militar russo, desmascarar os interesses e apoios da China e, por fim, desmantelar economicamente a economia europeia, dando uma outra feição ao globalismo anterior.
No mínimo, equaciona-se já, em França, o estudo de uma estratégia de soberania em diversos domínios como consequência do actual estado do mundo. Em Portugal, são muito mais importantes as eleições na Madeira e o que se diz da moção de censura do Chega!
Neste pequeno apontamento, julgo ter deixado pistas elementares para os meus amigos perceberem como as deliberações da senhora Lagarde estão em alinhamento com os EUA e com os Estados motores da economia europeia, abandonando os países com fracas possibilidades económicas, o que faz dela uma declarada aliada de Washington e defensora de uma guerra que nos está a arrastar para a miséria.