Dar e receber
Não, por hoje vou deixar de lado a política e as eleições, os partidos, António Costa, Rui Rio, e todas personagens que andam envolvidas neste circo mediático sem que nos esclareçam com exactidão os caminhos, as soluções para a vida nacional, incluindo a dívida pública, os aumentos de salários, de combustíveis e das dependências cada vez maiores do Banco Central Europeu e das taxas de juro que ele impõe e vai ou não mudar, mudando, assim, toda a nossa forma de viver.
Hoje vou falar de sentimentos pessoais íntimos, ou seja, de uma coisa que todos temos e da qual raramente damos nota pública a não ser em circunstâncias muito especiais.
Fui ao dicionário da nossa língua procurar o exacto significado da palavra egoísmo e topei com o seguinte, entre mais duas possibilidades: «preocupação exclusiva consigo e com os seus próprios interesses» e «individualismo extremo». Depois, no fundamento etimológico, lá vem o latino ego, igual a eu, e o ismo igual a qualidade de ou teoria.
Vulgarmente, dizemos que alguém é egoísta quando se centra muito ou quase exclusivamente em si mesmo, nos seus problemas, na sua pessoa. Se eu me preocupo muito com as minhas doenças sou hipocondríaco, mas, de certa maneira, também sou egoísta, só que esse sentimento está virado quase em exclusivo para a minha saúde ou falta dela.
Posto isto, nos termos de uma psicologia barata, quase poderia dizer que o egoísta não vê os outros nem o mundo à sua volta, porque se tem em grande conta e ao seu mundo, sem dar conta dos outros.
No extremo oposto está o altruísta (do dicionário: «que se dedica ao bem social; filantropo») ou, o mesmo é dizer, aquele que se esquece de si para se dedicar aos outros. Seguindo, uma vez mais, a linha da psicologia barata, o altruísta, com alguma margem de erro, não se tem em grande conta, sendo que, muitas vezes, tem de si próprio uma imagem diminuída ou de pouca valia.
Curiosamente, na minha opinião e por mero jogo de lógica, julgo que há algo comum ao egoísta e ao altruísta: a necessidade de lhes prestarem atenção: o egoísta, em consequência da sua condição e o altruísta, porque para dar, para oferecer, espera receber um pouco de reconhecimento dos outros, um pouco de afago para não ver reduzida, ainda mais, a imagem que tem de si.
Deste modo, o egoísta amplia a razão da sua vaidade e o altruísta ganha forças para se sentir menos mal consigo. Todavia, nisto que a lógica do meu raciocínio me aponta, há um só problema: o tempo, no sentido cronológico. É que, para o egoísta, falarem dele é sempre pouco, porque carece de ser único e, para o altruísta, também é pouco o elogio recebido, pois, a sua autocomiseração consome, num instante, o louvor de que foi alvo.
Neste mundo de gente autocentrada, rondando o egoísmo, há necessidade de se ser capaz de olhar com atenção para quem nos dá, às vezes inesperadamente, alguma coisa (pode ser só uma palavra ou um sorriso), pois, se calhar, é um altruísta, descompensado e carente de amor, um amor que se contenta com pouco, mas que lhe alimenta a possibilidade de continuar a dar num tempo em que só se espera receber.
E, porque acaba hoje o período convencionado para as Festas Natalícias, deixo aqui a lembrança, pois há tanta gente a dar a quem nós não damos atenção, podendo, cada um de nós, fazer Natais em qualquer momento dos dias do ano.
A política, afinal, é passageira, contudo, a marca dos sentimentos é mais forte e quase perene.